segunda-feira, 5 de maio de 2014

Corpo humano e saúde precisam receber mais atenção na EJA

Alunos do Centro Educacional Sesc Ler assistem a documentário. Foto: Marcio Vieira
Alunos do Centro Educacional Sesc Ler assistem a documentário
Após trabalhar alguns anos como professor de Ciências da EJA, posso dizer com tranquilidade: saúde é um dos temas que mais interessam aos alunos desse segmento.
Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) indiquem que o tema deve ser trabalhado de forma transversal - em todas as séries e por todas as disciplinas do Ensino Fundamental -, em muitas escolas o assunto fica restrito às aulas de Ciências da Natureza. Observo que isso ocorre na EJA, mas também no ensino regular.
Por isso, acho importante repensar o tempo que destinamos a esse assunto em nossos currículos. Geralmente, o currículo da EJA é adaptado do ensino regular, que tradicionalmente aborda os conteúdos relacionados à saúde somente no 8º ano, com o foco no funcionamento do corpo humano, e não nas questões de saúde. Os livros didáticos de Ciências, por exemplo, são muito detalhistas ao tratar da anatomia do sistema digestório. Porém, nenhum deles trata de gastrite, que é uma doença relativamente comum.
Em minhas aulas, por causa das perguntas dos alunos, temas ligados à saúde foram ocupando cada vez mais espaço no planejamento. Por um lado, porque os alunos querem saber mais sobre doenças e cuidados individuais; por outro, também percebi falhas no entendimento que eles possuem sobre o conceito de saúde.
No início, imaginei que precisaria eliminar das aulas de Ciências todo o conteúdo relacionado à anatomia. Porém, percebi que fazia mais sentido contextualizar o assunto em torno de um problema real. Então, em vez de me restringir à anatomia (“Vejam, este é o estômago, ele tem tal estrutura e tal função”), partimos de uma questão próxima dos alunos. Nesse caso, digo a eles: “Vejam, esta pessoa tem gastrite e o médico a proibiu de tomar suco de limão. Qual a lógica por trás dessa recomendação?”. Para responder a questão, o aluno precisa compreender o funcionamento do estômago e seu papel na digestão dos alimentos, de forma que o conhecimento sobre anatomia vem como informação significativa para encontrar a solução do problema.
Além dessa abordagem ligada às doenças e aos cuidados com o corpo, adotei outra estratégia, pois percebi que meus alunos não viam conexões entre saúde e outros aspectos, como moradia, saneamento, renda e educação.
Acho que dessa maneira outras disciplinas também podem contribuir para um entendimento mais amplo sobre o tema. A ideia de vulnerabilidade, por exemplo, é muito interessante de ser explorada: uma pessoa que não tem acesso à água tratada corre mais riscos de contrair certos tipos de doenças. Portanto, o acesso à água tratada também é uma questão de saúde! Isso pode parecer óbvio, mas para muitos alunos não é.
Penso que esse tema pode ser trabalhado em todas as disciplinas, pois existem muitas possibilidades de analisar textos, dados, gráficos e mapas, tanto em escala nacional como local. Uma fonte importante é o Atlas do Desenvolvimento Humano 2013, desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que permite gerar tabelas e mapas até mesmo em escala municipal. É possível saber, por exemplo, que a mortalidade infantil em Tremedal, na Bahia, vem caindo desde 1991, mas ainda está acima da média nacional.
Outra pergunta possível: será que as pessoas que têm menos acesso à educação também têm menos acesso à saúde? Isso pode ajudá-los a refletir sobre os vários aspectos da vulnerabilidade social.
Com essa abordagem, ficamos mais próximos de apresentar a ideia de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), que entende a saúde como um estado de bem-estar físico, mental e social. Além disso, damos aos nossos alunos condições de se tornarem mais críticos e politicamente mais participativos.

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