terça-feira, 30 de setembro de 2014

Como tornar o recreio um momento cooperativo e livre de violência.

Intervalo em escola de São Bernardo do Campo (SP), com jogos propostos pela gestão da escola. Foto: Luis Gomes
Imagina a hora do recreio com todos os 200 alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental na maior algazarra e somente a diretora da escola, Maria Vanderléia Oliveira, a coordenadora pedagógica e a equipe da cantina para cuidar de tanta gente! Essa era a rotina da EEF Alba Laranjeira de Albuquerque, em Pacajus, no Ceará, com muitas brigas e confusões entre as crianças. “Elas se machucavam com muita frequência, pois era o momento de soltar a energia fora da sala de aula”, relatou Vanderléia durante um monitoramento que fizemos lá.
Então, as gestoras tiveram a ideia de pedir ajuda aos estudantes mais velhos, que já haviam passado por aquela experiência e frequentavam o turno da tarde. Chamados para uma conversa, os alunos criaram, junto com a direção, o “Recreio recreativo”: a monitoria e diversão dos menores feita pelos alunos maiores, que frequentavam da 5ª à 8ª série. Cada “amigo do recreio”, um estudante voluntário, ficou responsável por atividades como cuidar da área do parque ou da quadra, orientar o jogo de dominó etc. Uma aluna que gostava de interpretar, se oferecer para contar histórias.
A proposta foi levada aos professores e comunicada aos pais para pedir autorização. O sucesso foi tanto, que ao passar nas salas de aula fazendo o convite, muitos se interessaram, precisou até de seleção. Com a experiência colocada em prática, houve a necessidade de reavaliação, e novos combinados foram realizados para não atrapalhar os estudos e outras tarefas dos adolescentes. Tudo foi resolvido com a organização de uma escala de revezamento.
Como numa verdadeira teia de cooperação, gestores, alunos e pais se uniram, de forma bem comprometida. Os pais contaram que isso aumentou a responsabilidade dos filhos, a noção da importância de cuidar do outro e eles cresceram com valores de boa convivência. Boa parte dos pequenos aderiu às opções de diversão e a confusão diminuiu consideravelmente.
Aproveito essa experiência do Ceará para finalizar o post com uma importante reflexão: asustentabilidade, na escola e na vida, só é conquistada com o desenvolvimento de valores e com a percepção sobre o cuidar, com afetividade. Mas, diferente do que eu vejo em muitas ações de Educação ambiental, quando o foco é sempre cuidar do meio ambiente, cuidar do planeta deveria ser uma consequência, mais do que uma causa.
Na lógica do cuidar, precisamos seguir os passos de cuidar de si, cuidar do outro, cuidar da coletividade e, então, como resultado de todos esses cuidados, cuidar do meio ambiente! Esse é o resumo da metodologia dos quatro cuidados, desenvolvida junto com o Instituto Ayrton Senna.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Organizando um blog com os alunos da EJA


Alunos da fase 8 da EJA (Colégio Santa Cruz, 2013). Foto: Divulgação
Muitos professores, por não terem muita familiaridade com as ferramentas ou por falta de tempo, não utilizam recursos de informática em suas aulas. Já escrevi sobre isso no post Informática na EJA: sugestão de atividade para iniciantes.
No entanto, quando o professor e os alunos encaram o desafio de usar a tecnologia a seu favor, os resultados podem ser muito interessantes. Um belo exemplo é o trabalho da professora Mariana Luz e seus alunos do Ensino Fundamental 2 do Colégio Santa Cruz, em São Paulo.
A proposta inicial nasceu nas aulas de Geografia, que propôs um estudo sobre a mobilidade na metrópole a partir da experiência dos alunos. Como na classe havia pessoas que utilizavam diferentes modos de locomoção (a pé, de bicicleta, de carro, de ônibus, de metrô e de trem), a ideia foi observarem com atenção as dificuldades e soluções que cada modo traz para o problema do deslocamento pela metrópole. As outras disciplinas embarcaram na proposta, abordando o tema do ponto de vista dos seus conteúdos.
Para Mariana, que é professora de Língua Portuguesa, o que interessava era a produção de textos. Para isso, ela sugeriu que os alunos registrassem cenas curiosas que observassem em seus trajetos pela cidade.
Até aí, nenhuma informática seria necessária. Mas Mariana julgou que publicar os textos na internet poderia ser uma experiência interessante para os alunos e escolheu um blog como o formato ideal para isso.
Confira a proposta, nas palavras da própria professora:
“Todos os dias, ao atravessarmos a cidade de São Paulo (de metrô, de trem, de ônibus, de carro ou mesmo a pé), vivemos uma série de encontros e de desencontros. Este blog fala sobre isso. Ele traz as observações feitas, de longe ou de perto, pelos alunos da Educação de Jovens e Adultos do Colégio Santa Cruz, ao longo dos diferentes percursos que realizam por São Paulo. Durante o primeiro semestre de 2013, esses alunos foram convidados a manter o olhar sempre atento ao trajeto.”
É claro que publicar na internet trouxe inúmeras dificuldades: operar o computador, digitar o texto, revisá-lo… Isso tudo além dos desafios inerentes à própria escrita. A própria professora, que não estava familiarizada com o uso do blog, precisou estudar a ferramenta em momentos fora do horário de aula (confira 6 erros para evitar no seu blog).
A recompensa veio quando os alunos viram seus escritos publicados na internet. Com o orgulho de verem os textos, descobriram que o blog permite que leitores escrevam comentários; em poucos dias, perceberam que parentes, amigos e ex-professores estavam deixando mensagens. Inserir novos textos e conferir as novidades do blog virou rotina!
Surgiu o interesse em incrementar o site: inserir ilustrações feitas pelos próprios alunos, compartilhar nas redes sociais, escrever novos textos. A proposta original foi publicar apenas por algumas semanas, mas alguns alunos abraçaram a ideia de continuar escrevendo por mais tempo.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Um tipo de letra para cada trabalho


Onde encontrar e como usar fontes gratuitas na internet
Como já dissemos antes aqui no blog, cada tipo de letra tem sua personalidade. Portanto, a escolha de uma fonte pode ajudar na comunicação e deixar seu trabalho mais atraente.
Para textos informativos, o ideal é não arriscar muito, pois o importante aqui é a clareza e o conforto da leitura. Fontes serifadas (com aqueles tracinhos nas extremidades das letras, como a Times, Georgia etc) e sem serifas (como a Arial, Helvética etc) são a melhor opção.
Mas na hora de criar um título ou uma marca para a sua apresentação, blog, jornal, cartaz, capa de livro ou qualquer outro tipo de material, sempre vai existir um tipo de letra que combina bem com o tema abordado e vai dar um toque final ao seu trabalho ou dos seus alunos. Um exemplo clássico é utilizar uma fonte gótica na capa de um trabalho sobre a Idade Média.
É muito fácil encontrar sites que oferecem fontes gratuitas (é só digitar “fontes grátis” no Google…) e também é muito simples baixar e instalar no seu computador os tipos que você escolher.
Um dos primeiros sites que deve aparecer na sua busca é o Dafont. Lá você encontra fontes manuscritas, góticas, estrangeiras, temáticas e também fontes do tipo dingbats (onde cada letra corresponde a um desenho), que podem ser usadas como ícones para ilustrar o seu projeto.
As fontes são oferecidas para baixar em arquivos .ZIP, que devem ser descompactados após o download, dando um duplo clique sobre eles. E para fazer a instalação da fonte no Windows, basta dar dois cliques novamente sobre o arquivo e logo vai aparecer a opção “instalar”. Pronto! Agora é só abrir o programa que você usa para fazer seus trabalhos (Word, PowerPoint etc) e conferir se a sua nova fonte instalada aparece entre as opções.
Para quem já é um pouco mais familiarizado com os recursos da internet, outro site bem bacana é o Google Fonts. Lá, as fontes também podem ser baixadas, mas para quem quiser usá-las em blogs, sites e outras aplicações para web isso nem é necessário, pois o site oferece a opção de incorporá-las online (embedar) no seu trabalho.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Mais assertividade e menos fofoca

Blog de Orientação Educacional. Fofoca na equipe. Foto: Shutterstock
O convite da semana é para refletir sobre um tema delicado presente na maioria das escolas: afofoca. Comecemos por (re)tomar a consciência de que não existe fofoca positiva, pelo simples fato de se tratar de uma prática exercida sem a presença de quem dela é alvo. Essa constatação já justificaria a extinção dessa prática, principalmente no espaço educacional. Contudo, práticas como essa ainda são perpetuadas na maioria dos ambientes profissionais.
A fofoca surge, prioritariamente, de um julgamento negativo que se faz de uma pessoa ou de um grupo. Na escola, até mesmo os desabafos sobre momentos mais difíceis vividos em sala de aula (ou fora dela) costumam se tornar tema de conversas desse tipo. É importante ressaltar que o dano não está no desabafo, perfeitamente compreensível. O estrago acontece quando esses conteúdos são repassados repetidamente, nos mais diversos espaços da escola e a rádio corredor entra no ar.
Na maioria das vezes, aquilo que seria um simples momento de exteriorizar uma emoção – indignação, raiva, frustração, etc – toma sérias proporções. É o efeito bola de neve: há uma queixa ou um comentário sobre alguém feito para um colega, que repassa aquela informação para n outros sujeitos, emitindo seus próprios juízos. E assim o tema da fofoca se distancia cada vez mais das pessoas envolvidas na situação, que seriam as únicas com condições de esclarecer o mal-entendido.
Qual seria o antídoto para esse veneno das relações que é a fofoca?O segredo é a assertividade. Ela colabora para que relações de confiança sejam construídas no ambiente escolar.  O gestor necessita orientar a equipe a não fomentar comentários como “Posso te contar uma coisa?” e “Promete que não conta pra ninguém?”. Alguns questionamentos básicos têm de ser feitos para quem espalha a história: “Qual é a importância do que você está dizendo para nosso ambiente de trabalho?”, “Qual a sua intenção?” e “O que pode ser feito para resolver a situação?”
Durante todo o processo, o gestor deve ter uma postura firme para transformar a fofoca em um assunto a ser tratado com seriedade. O objetivo é esclarecer que, se há um problema, ele deve ser resolvido com quem é de direito.
Inúmeras vezes, ao passar por situações em que nitidamente o tom da conversa se aproxima de uma fofoca, minha fala é: “Se for algo que não possa ser comentado publicamente, não me conte.” Ou então: “Você precisa falar isso para quem é de direito. Gostaria que eu participasse da conversa?”. E foi agindo assim que pude perceber que, aos poucos, a rádio corredor fica com a audiência comprometida.
Devemos, então, focar o que deu origem ao desabafo. Se é o comportamento de uma turma que incomoda, pensemos sobre o que pode ser feito para resolver a situação. Caso uma atitude da gestão tenha sido dura ou desrespeitosa, que se fale diretamente sobre isso a quem compete ouvir. Enfim, nosso papel de educar demanda uma postura em que sejam asseguradas a clareza e a especificidade naquilo que falamos, características da assertividade.
Nós somos responsáveis pelos nossos comportamentos. Portanto, se alguém não se comporta de maneira assertiva, não precisamos fazer o mesmo!

terça-feira, 23 de setembro de 2014

A preocupação com o meio ambiente não pode ficar restrita a algumas datas


Olá,
Ontem (21 de setembro) foi o Dia da Árvore, hoje (22 de setembro) é o Dia da Defesa da Fauna e, ainda nesta semana, teremos o Dia do Trânsito (25 de setembro), que, atualmente, tem tudo a ver com poluição, saúde e energia. São tantos temas no calendário ecológico, que eles podem alimentar muitos conteúdos e disciplinas.
Essas datas vêm sendo utilizadas, há anos, como mote principal para desenvolver a Educação ambiental nas escolas brasileiras. Isso já é um começo, mas é essencial ir além dessas comemorações.
Veja o caso do Dia da Árvore. Quantas ações de plantio são realizadas por aí, onde os alunos voltam felizes para casa porque fizeram a sua parte por um dia! Quantas dessas árvores irão sobreviver sem o cuidado adequado (rega, combate às pragas etc) após o plantio e sem um combinado com o pessoal da limpeza urbana e da vizinhança para não arrancar as mudas com o passar do tempo? Sem cuidado, a ação pode causar frustração, desmobilização e desperdício de recursos!
Essa data é uma boa oportunidade para avaliar quanto e como estamos fazendo para que as ações do calendário ecológico sejam conectadas com a rotina escolar. Antes de mais nada, elas precisam fazer sentido no aprendizado e na vida do aluno. Se ele planta uma árvore e, no dia a dia, arranca folhas do caderno sem motivo, destrói carteiras e lápis que são fabricados com árvores e envolvem muita água na produção, há muito a ser repensado. Veja que interessante os dados apresentados no texto Mochila sustentável, no site do Instituto Akatu.
Um lembrete para o ano todo
Em 2010, uma grande mandala coletiva, construída pelos alunos com restos de folhas e cascas de árvores, ocupou o corredor principal da EMEF Professora Marli Aparecida Borelli Bazeto, em Valinhos, a 90 quilômetros de São Paulo. A ideia de usar mandalas, simbolizando a relação dinâmica entre o ser humano, a natureza e a unidade, foi iniciativa das coordenadoras pedagógicas Ivani Padovan e Mônica de Almeida Julio Onisto, com base em um seminário ministrado pelo Instituto Supereco no Programa de Educação Ambiental da empresa MWV Rigesa. Rodas de conversa, inspiradas pelos conteúdos, temas e disciplinas da sala de aula, definiram o que cada aluno achava que deveria estar presente em cada uma das muitas mandalas produzidas. Depois, elas foram usadas como material pedagógico o ano todo.
Uma delas, que você pode conhecer na foto acima, foi feita com casca de árvores e rolhas. No meio, um espelho e uma semente foram colocados para que as pessoas refletissem que podem semear um mundo melhor. Tudo isso foi realizado com o envolvimento das famílias, muitas delas compostas por trabalhadores rurais, trazendo a realidade delas para o currículo.
Todo o trabalho realizado pela escola culminou na mostra da Semana da Água, aberta à visitação, onde eu pude conhecer de perto e apreciar tanta criatividade e trabalho interdisciplinar. Tenho certeza que, assim como a Ivani e a Mônica, você já foi muito além da comemoração do calendário.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A visita à sala de aula inspira uma formação pontual.

É muito importante elaborar atividades relacionadas às práticas sociais, ou seja, que tenham um propósito para as crianças (Foto: Gabriela Portilho)
É muito importante elaborar atividades relacionadas às práticas sociais, ou seja, que tenham um propósito para as crianças (Foto: Gabriela Portilho)
Um dia desses, fui à sala da turma de 5 anos, para entregar um material para a professora. Na lousa, havia seis contas para a criançada copiar e resolver no caderno. Respirei fundo e, num exercício de autocontrole, fiz cara de paisagem e não falei nada na hora. Há alguns anos, talvez eu chamasse a docente para conversar no mesmo dia e tentaria explicitar por que esse tipo de atividade não é nem um pouco adequada.
Ela é novata na escola, mas é uma professora bem experiente, que sempre demonstrou interesse e comprometimento. Como a maior vivência dela é no Ensino Fundamental, no começo do ano, costumava procurar por mim e pelas colegas para trocar ideias sobre encaminhamentos interessantes para fazer a turma avançar.
De fato, eu não havia abordado a Matemática nas formações deste ano. No entanto, já havíamos refletido inúmeras vezes sobre a importância de elaborar atividades que fossem relacionadas às práticas sociais, ou seja, que tivessem um propósito para a criança. Vou explicar melhor onde quero chegar com isso. Sempre que discutimos um conteúdo, ele se torna passível de ser transferido para outras situações. Por exemplo, já tínhamos tematizado a importância das atividades de escrita terem um propósito. Como em geral os professores transferem tal conhecimento para outras áreas, era de se esperar que, também para trabalhar os conteúdos de Matemática, eles elaborassem situações que podem acontecer na vida real ou façam parte de um jogo, o que, por si só, já faz a criança aprender muitas coisas para poder brincar.
Isso não aconteceu. Por isso, planejei uma formação pontual para discutir um pouco a aprendizagem das crianças em Matemática. Digo que ela foi pontual porque o foco dos demais encontros com os professores era Natureza e Sociedade naquele momento.
A discussão foi centrada em jogos que utilizamos nos diferentes níveis para tratar de conteúdos de Matemática. Combinei com os educadores que, em uma das nossas reuniões, traríamos todos os que eram usados. Fiz uma lista (clique aqui para ver) para que cada um marcasse qual traria – isso assegurou a diversidade e evitou a repetição.
A proposta foi bem simples: cada professor relataria como introduziu tal jogo na sua turma. Aqueles que não eram conhecidos seriam jogados por todos. Depois desse momento, desenhei a seguinte tabela na lousa e, coletivamente, a preenchemos:
Jogo……………….……………….……………….
O que se pode aprender……………….……………….……………….
O que a criança precisa saber para poder jogar……………….……………….……………….
Essa atividade acabou sendo muito produtiva não só para a professora da turma de 5 anos, mas para as outras que ainda não tinham clareza sobre o quanto as crianças podem aprender com cada um dos jogos. Toda vez que elas jogam, precisam realizar vários procedimentos que envolvem contar, utilizar estratégias de cálculo e recitar a série numérica. Tudo isso sempre brincando, o que é muito importante!

A visita à sala de aula inspira uma formação pontual.

É muito importante elaborar atividades relacionadas às práticas sociais, ou seja, que tenham um propósito para as crianças (Foto: Gabriela Portilho)
É muito importante elaborar atividades relacionadas às práticas sociais, ou seja, que tenham um propósito para as crianças (Foto: Gabriela Portilho)
Um dia desses, fui à sala da turma de 5 anos, para entregar um material para a professora. Na lousa, havia seis contas para a criançada copiar e resolver no caderno. Respirei fundo e, num exercício de autocontrole, fiz cara de paisagem e não falei nada na hora. Há alguns anos, talvez eu chamasse a docente para conversar no mesmo dia e tentaria explicitar por que esse tipo de atividade não é nem um pouco adequada.
Ela é novata na escola, mas é uma professora bem experiente, que sempre demonstrou interesse e comprometimento. Como a maior vivência dela é no Ensino Fundamental, no começo do ano, costumava procurar por mim e pelas colegas para trocar ideias sobre encaminhamentos interessantes para fazer a turma avançar.
De fato, eu não havia abordado a Matemática nas formações deste ano. No entanto, já havíamos refletido inúmeras vezes sobre a importância de elaborar atividades que fossem relacionadas às práticas sociais, ou seja, que tivessem um propósito para a criança. Vou explicar melhor onde quero chegar com isso. Sempre que discutimos um conteúdo, ele se torna passível de ser transferido para outras situações. Por exemplo, já tínhamos tematizado a importância das atividades de escrita terem um propósito. Como em geral os professores transferem tal conhecimento para outras áreas, era de se esperar que, também para trabalhar os conteúdos de Matemática, eles elaborassem situações que podem acontecer na vida real ou façam parte de um jogo, o que, por si só, já faz a criança aprender muitas coisas para poder brincar.
Isso não aconteceu. Por isso, planejei uma formação pontual para discutir um pouco a aprendizagem das crianças em Matemática. Digo que ela foi pontual porque o foco dos demais encontros com os professores era Natureza e Sociedade naquele momento.
A discussão foi centrada em jogos que utilizamos nos diferentes níveis para tratar de conteúdos de Matemática. Combinei com os educadores que, em uma das nossas reuniões, traríamos todos os que eram usados. Fiz uma lista (clique aqui para ver) para que cada um marcasse qual traria – isso assegurou a diversidade e evitou a repetição.
A proposta foi bem simples: cada professor relataria como introduziu tal jogo na sua turma. Aqueles que não eram conhecidos seriam jogados por todos. Depois desse momento, desenhei a seguinte tabela na lousa e, coletivamente, a preenchemos:
Jogo……………….……………….……………….
O que se pode aprender……………….……………….……………….
O que a criança precisa saber para poder jogar……………….……………….……………….
Essa atividade acabou sendo muito produtiva não só para a professora da turma de 5 anos, mas para as outras que ainda não tinham clareza sobre o quanto as crianças podem aprender com cada um dos jogos. Toda vez que elas jogam, precisam realizar vários procedimentos que envolvem contar, utilizar estratégias de cálculo e recitar a série numérica. Tudo isso sempre brincando, o que é muito importante!

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Saiba como orientar os professores a preparar boas provas.

As questões das provas devem abordar apenas aquilo que foi trabalhado em sala de aula (Foto: Manuela Novais)
As questões das provas devem abordar apenas aquilo que foi trabalhado em sala de aula (Foto: Manuela Novais)
Com um currículo estruturado e com a ajuda do coordenador pedagógico, o professor é capaz de pensar em estratégias de ensino e, com base nisso, planejar avaliações para diagnosticar a aprendizagem dos alunos. Sabemos que o docente tem vários instrumentos para fazer isso: provas escritas, atividades diagnósticas, observações de atividades, registros dos cadernos, trabalhos, pesquisas, apresentações orais, entre outros. Hoje, gostaria de refletir sobre as provas.
Quando construo minha rotina, já prevejo um momento em que terei que orientar os professores sobre a elaboração das avaliações. Nas nossas reuniões formativas, costumo refletir com a equipe sobre os aspectos necessários para fazer boas provas, que analisem apenas aquilo que foi ensinado. A seguir, listo alguns deles, definidos por mim e pelos educadores da escola em que trabalho:
Currículo e estratégias. A cada início de bimestre, seleciono com os professores os conteúdos que farão parte do currículo das séries e quais serão as estratégias de ensino adotadas. Isso vai permear toda a reflexão sobre as avaliações posteriormente.
Questões. Para construir uma boa prova, é preciso garantir uma conexão entre o que é avaliado e as atividades que o aluno costuma fazer em sala de aula. Portanto, as questões devem abordar apenas aquilo que foi trabalhado em sala de aula, além de ser claras e objetivas, para que os estudantes compreendam o que está sendo pedido.Objetivos. Tabulamos os objetivos definidos para o bimestre numa planilha (clique aqui para ver um exemplo). Ela será utilizada para prever o tempo necessário para a realização da prova e o número de questões para dar conta de avaliar todo o conteúdo ensinado. Além disso, servirá para acompanhar os resultados dos alunos e pensar replanejamentos futuros.
Pontuação. O valor total da prova deve ser distribuído adequadamente por todas as questões, de acordo com o nível de dificuldade, por exemplo.
Análise da prova elaborada pelo docente
Sempre peço para que os professores me entreguem os documentos elaborados com antecedência, para que eu tenha tempo de analisá-los e dar uma devolutiva. Gosto de fazer observações pessoalmente, ponderando sobre as questões junto com eles.
Na maioria das vezes, minhas intervenções focam numa comparação entre a forma que determinado conteúdo foi trabalhado em sala de aula e como ele está sendo cobrado na prova. Com base nas respostas dos docentes e na análise do caderno das crianças (leia mais sobre isso aqui), sei se uma pergunta está adequada ou não àquela turma. Se não estiver, proponho que pensemos em outra alternativa.
Vale lembrar que cabe a cada professor utilizar outros instrumentos de avaliação ao longo de todo o processo de ensino e aprendizagem. Isso permitirá ao profissional considerar o potencial do aluno em vários momentos da rotina escolar e analisar o envolvimento dele nas atividades propostas e nas tarefas de casa. O resultado de tudo isso deve ser somado para compor a média do bimestre.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Eleições: o que discutir com os alunos?

Imagem para o blog de EJA em post sobre os conteúdos que podem ser trabalhados na época das eleições
Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas
Muito se fala que a escola deve formar cidadãos e, portanto, nada mais natural que as eleições sejam abordadas na sala de aula. Claro que esse não é o único momento em que exercemos a cidadania, mas é sem dúvida um momento-chave para a vida política e que deve ser discutido e analisado nas turmas de EJA.
Esse é um trabalho delicado de ser feito. Por um lado, é preciso informar e discutir certos aspectos do mundo da política; por outro, não pode ser um trabalho doutrinário em que o professor imponha aos alunos suas opiniões e, o que é pior, seus candidatos. Não se pode fazer campanha eleitoral na escola!
Um trabalho difícil, mas possível e necessário. Muitos alunos sentem-se excluídos do processo eleitoral porque não entendem como ele funciona e acabam não exercendo plenamente seu direito de eleitor.
A seguir, elenco sugestões de assuntos que podem ser discutidos em sala sem entrar no mérito dos candidatos e podem ser esclarecedores para os estudantes da EJA:
Atribuições de cada cargo: Neste ano, teremos eleições para presidente da república, governador de estado, senador, deputado federal e deputado estadual. Muitas pessoas têm dúvidas sobre qual o papel de cada um desses cargos no funcionamento da vida pública. Um tópico interessante para abordar com os alunos é esclarecer quem faz o quê. A seção de “Perguntas Frequentes” da Cartilha do Eleitor Consciente, do Tribunal Superior Eleitoral, traz essas informações.
Divisão de poderes: Relacionado ao tópico anterior, mas além dele, temos a organização em três poderes (executivo, legislativo e judiciário) e as suas diferentes esferas (municipal, estadual e federal). Conhecer as responsabilidades de cada um, bem como suas limitações, é interessante, por exemplo, para que os alunos julguem se as promessas feitas pelos candidatos em campanha estão de fato dentro das possibilidades de cada cargo em questão. (Veja um plano de aula sobre o assunto aqui)
Voto proporcional: Nas eleições para cargos legislativos, como para deputados estaduais e federais, o sistema de votação é proporcional. Como o próprio nome diz, a contagem não é direta (como acontece para presidente da república) e exige um cálculo. Além disso, para compreender o sistema, é preciso entender o que é partido e coligação. Na minha experiência, são raros os alunos que conhecem esse tipo de votação. Por isso, eles sempre se surpreendem com a estratégia dos “puxadores de voto” (certos candidatos-celebridade capazes de angariar muitos eleitores e favorecer enormemente sua coligação). Dois casos interessantes para estudar as distorções que o sistema de voto proporcional pode provocar são o da eleição de Enéas Carneiro em 2006 ou do palhaço Tiririca em 2010.
Financiamento de campanha:
Quem paga os cartazes, panfletos e comícios que pipocam em todos os lugares do Brasil nessa época? Entender melhor o sistema de financiamento de campanhas eleitorais pode ajudar os alunos a compreenderem o funcionamento de esquemas de favorecimento e corrupção. Ojulgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto pode ser um bom começo para essa discussão, assim como um texto de Gilberto Maringoni, escrito em 2012  sobre as eleições municipais em São Paulo.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A visita à sala de aula inspira uma formação pontual.

É muito importante elaborar atividades relacionadas às práticas sociais, ou seja, que tenham um propósito para as crianças (Foto: Gabriela Portilho)
É muito importante elaborar atividades relacionadas às práticas sociais, ou seja, que tenham um propósito para as crianças (Foto: Gabriela Portilho)
Um dia desses, fui à sala da turma de 5 anos, para entregar um material para a professora. Na lousa, havia seis contas para a criançada copiar e resolver no caderno. Respirei fundo e, num exercício de autocontrole, fiz cara de paisagem e não falei nada na hora. Há alguns anos, talvez eu chamasse a docente para conversar no mesmo dia e tentaria explicitar por que esse tipo de atividade não é nem um pouco adequada.
Ela é novata na escola, mas é uma professora bem experiente, que sempre demonstrou interesse e comprometimento. Como a maior vivência dela é no Ensino Fundamental, no começo do ano, costumava procurar por mim e pelas colegas para trocar ideias sobre encaminhamentos interessantes para fazer a turma avançar.
De fato, eu não havia abordado a Matemática nas formações deste ano. No entanto, já havíamos refletido inúmeras vezes sobre a importância de elaborar atividades que fossem relacionadas às práticas sociais, ou seja, que tivessem um propósito para a criança. Vou explicar melhor onde quero chegar com isso. Sempre que discutimos um conteúdo, ele se torna passível de ser transferido para outras situações. Por exemplo, já tínhamos tematizado a importância das atividades de escrita terem um propósito. Como em geral os professores transferem tal conhecimento para outras áreas, era de se esperar que, também para trabalhar os conteúdos de Matemática, eles elaborassem situações que podem acontecer na vida real ou façam parte de um jogo, o que, por si só, já faz a criança aprender muitas coisas para poder brincar.
Isso não aconteceu. Por isso, planejei uma formação pontual para discutir um pouco a aprendizagem das crianças em Matemática. Digo que ela foi pontual porque o foco dos demais encontros com os professores era Natureza e Sociedade naquele momento.
A discussão foi centrada em jogos que utilizamos nos diferentes níveis para tratar de conteúdos de Matemática. Combinei com os educadores que, em uma das nossas reuniões, traríamos todos os que eram usados. Fiz uma lista (clique aqui para ver) para que cada um marcasse qual traria – isso assegurou a diversidade e evitou a repetição.
A proposta foi bem simples: cada professor relataria como introduziu tal jogo na sua turma. Aqueles que não eram conhecidos seriam jogados por todos. Depois desse momento, desenhei a seguinte tabela na lousa e, coletivamente, a preenchemos:
Jogo……………….……………….……………….
O que se pode aprender……………….……………….……………….
O que a criança precisa saber para poder jogar……………….……………….……………….
Essa atividade acabou sendo muito produtiva não só para a professora da turma de 5 anos, mas para as outras que ainda não tinham clareza sobre o quanto as crianças podem aprender com cada um dos jogos. Toda vez que elas jogam, precisam realizar vários procedimentos que envolvem contar, utilizar estratégias de cálculo e recitar a série numérica. Tudo isso sempre brincando, o que é muito importante!

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Até onde vai a sustentabilidade aí na sua escola?

Desenho da estudante Katryne Rosa Leandro para o Concurso Cultural Construindo um Novo Planeta, do Instituto Ayrton Senna
Olá!
É dia de HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) ou de ATPC (aula de trabalho pedagógico coletivo)? Aproveite essa oportunidade para começar a colocar em prática o projeto de sustentabilidade na escola. Afinal, uma gestão escolar transformadora começa pela ação de “planejar junto”. Como o tempo é sempre curto, sugiro abaixo uma maneira objetiva de refletir em conjunto, avaliar o que já vem sendo feito e o que ainda pode ser adicionado. Mas, lembre-se de fazer isso com um novo olhar, baseado nos eixos que conversamos no post anteriorcurrículo, gestão e infraestrutura, resultando em cidadania.
Se você tiver um pequeno esboço (ou mapa) do espaço físico da escola será melhor, mas também é possível trabalhar usando apenas o projeto político-pedagógico (PPP), o currículo, algumas tarjetas (melhor ainda se forem papeis de rascunho reutilizados), canetas coloridas, fita crepe e uma parede.
Convide os docentes para vivenciar, de forma participativa, a construção de um pequeno diagnóstico: “o retrato da sustentabilidade em nossa escola”.
Vamos começar pelo currículo. Promova uma rodada de questões solicitando que cada docente (indicando a sua disciplina) escreva, separadamente, em tarjetas, as respostas que vêm na mente. Você pode ainda sugerir que usem cores diferentes para o que já é feito e o que ainda pode ser feito.
1ª reflexão: Conteúdos e habilidades
- Quais são os principais conteúdos e desafios pedagógicos que eu estou trabalhando (ou preciso trabalhar) no semestre? Eles estão sendo abordados com base em alguma questão socioambiental local ou regional ou se limitam aos livros didáticos? De que maneira?
- Quais habilidades eu pretendo estimular nos alunos neste ano letivo? Algumas dessas habilidades ajudarão a melhorar a relação e o comportamento dos alunos com atitudes mais sustentáveis?
2ª reflexão: Inter, multi e transdisciplinaridade da Educação ambiental
- Em quais disciplinas estamos trabalhando as questões ambientais e sociais? Elas são relacionadas aos aspectos locais e regionais, ou apenas a temas nacionais e globais?
- No total de disciplinas que trabalhamos temos: (   ) uma  (   ) duas    (     ) três    (     ) quatro ou mais que já tratam de questões ambientais.
- Se houver mais de três, elas envolvem áreas além de Ciências, Geografia e História?
- Conseguimos trabalhar um mesmo tema ambiental com mais de três disciplinas conjuntamente, conectando atividades e projetos pedagógicos? Quais? Como?
3ª reflexão: Do currículo para a atitude
- Algumas das aulas que focaram as questões socioambientais trouxeram como resultado concreto a mudança de atitude dos alunos?
- Surgiu da parte deles uma nova ideia ou projeto?
- Tivemos algum resultado que ultrapassou os muros da escola e envolveu a família e/ou o entorno da escola?
O segundo momento pode estar relacionado à gestão da escola com as relações evalores praticados no convívio de gestores, docentes, alunos, colaboradores e famílias.
1ª reflexão: Gestão transformadora e compartilhada
- Os docentes percebem a gestão da escola como algo que:
(    ) oferece somente a diretriz do que fazer e avalia o desempenho dos docentes.
(   )  possibilita momentos de construção compartilhada de ideias, projetos e ações e os coloca em prática no planejamento do ano letivo.
(   ) valoriza as habilidades individuais dos docentes promovendo o seu fortalecimento no dia a dia.
(  ) envolve o cuidado no trato com a equipe, os alunos e as famílias, promovendo momentos onde a comunidade atua junto com a escola.
2ª reflexão: Os valores para a boa convivência
- Valores como diálogo, respeito, cultura de paz, afetividade, cuidados, entre outros, fazem parte das relações cotidianas entre todas as pessoas, no ambiente e na rotina da escola? Eles são praticados com boa frequência?
- Há algum projeto em andamento abordando o tema “valores humanos”?
Uma vez que percorremos os conteúdos e a prática, é a vez de entender como o ambiente físico da escola está colaborando (ou não) para influenciar na formação da comunidade escolar (especialmente os alunos) para a aplicação da sustentabilidade em suas vidas e analisar se estão gerando o menor impacto possível nos recursos naturais.
Nesse momento, o ideal é fazer um estudo de meio dentro da própria escola, percorrendo os vários espaços com os docentes, anotando as percepções, ou apenas desenhando no mapa/croqui o cenário atual e o que poderia existir no lugar.
Para contribuir com essa reflexão, acesse aqui uma apresentação do Concurso Cultural Construindo Um Novo Planeta, promovido pelo Instituto Ayrton Senna, em parceria com o Instituto Supereco. Dessa iniciativa, surgiram desenhos inspiradores como o que ilustra este post. Veja outros aqui. Outro espaço rico em ideias é o site da Rede Vencer. Confira os cadernos de Educação para a Vida Sustentável.
Lembre-se que falta de espaço natural ou de recurso não são desculpas. Atualmente, existem muitas maneiras de usar pequenos cantos, dentro da sala de aula ou fora dela, como verdadeiros espaços sustentáveis, tornando-os agradáveis, estimulantes para o convívio e para a prática do que se ensina. Alguns exemplos são uma horta suspensa, uma pequena composteira, uma minicisterna de captação da água de chuva, um jardim aromático de ervas medicinais e temperos, uma ecobiblioteca ou uma cozinha com produção de alimentação saudável com receitas de reaproveitamento de talos, folhas e caules que iriam para o lixo.
Tenho certeza que irão surgir dezenas de ideias para múltiplas intervenções aí na sua reunião! Como não dá para fazer tudo de uma vez, organize todas as tarjetas num grande painel, agrupando por temas e afinidades a fim de que todos possam observar o produto final e eleger prioridades e ações , em cada um dos eixos propostos e em seu cronograma (de curto, médio e longo prazos). Depois, é só colocar as mãos na massa e envolver os alunos na grande transformação.
Mais uma dica importante: registre com depoimentos, fotos e vídeos de onde partiram, mostrando qual é o marco zero da sustentabilidade na escola. Depois inclua onde e como chegaram, para que todos possam comemorar as conquistas, divulgar nas redes sociais e contar aqui no nosso blog.
Comente, abaixo, como foi a experiência na reunião, trazendo dicas e dúvidas para nossa rede! E conte, também, se já vivenciou outras alternativas para traçar um diagnóstico sobre esse tema na sua escola.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Como incentivar a prática de leitura


 Para incentivar a leitura na comunidade, os pais foram convidados a ler para os filhos em sala de aula  (Foto: Manuela Novais)
Para incentivar a leitura na comunidade, os pais foram convidados a ler para os filhos em sala de aula (Foto: Manuela Novais)
A sala de aula e a casa são os locais onde as crianças mais ouvem histórias lidas por adultos, sejam eles professores ou familiares. Quando essa atividade não acontece em nenhum dos dois lugares, os pequenos deixam de ter um modelo de leitor experiente e o contato deles com o mundo escrito fica limitado. Percebo também que isso pode ter consequência na aprendizagem da leitura, da escrita e de outros conteúdos na escola.
Para resolver esse problema, a gestora e a equipe da EM Sebastião Araújo, onde trabalho como professora desde o ano passado, elaboraram o projeto Maleta Literária. Numa reunião pedagógica, a diretora me explicou que, há alguns anos, a instituição tem desenvolvido essa atividade como uma das ações de um projeto institucional que visa à formação de uma comunidade leitora. A ideia é incentivar a prática investindo em bons livros e numa rotina intensa de leitura pelos professores, pelos alunos e por todos os funcionários.
O projeto funciona da seguinte maneira: logo no início do ano letivo, a escola manda um comunicado aos pais, convidando-os a comparecer à instituição em uma data oportuna para realizar a leitura de um livro na classe da filha ou do filho. Assim que o convite é aceito, o professor, o coordenador ou o diretor organiza uma maleta com alguns livros de gêneros diversos e envia para o familiar. No dia marcado, a mãe ou o pai escolhe um dos exemplares ou seleciona um livro que tenha em casa e goste muito e lê para os alunos. A cada leitura, percebi que as crianças ficam mais animadas para que uma pessoa da família participe e se dispõem eles mesmos a pegar mais livros literários para ler.
Como levei o projeto para a escola onde sou coordenadora
Com a autorização da diretora, levei esse projeto para a escola em que sou coordenadora e apresentei aos professores, que gostaram da ideia. Juntos, definimos que a ação seria apresentada aos pais na reunião seguinte, na hora da leitura em voz alta que sempre acontece nesses encontros.
A recepção à ideia foi um sucesso e os familiares se envolveram muito nas atividades. É claro que, no começo, alguns ficaram receosos de participar, mas, com os relatos de outros pais, eles se animaram. Para ilustrar como a ideia deu certo, pedi a alguns familiares que me dessem depoimentos da experiência:
“O momento de leitura na classe foi muito interessante. Fiquei feliz em ver a alegria e a atenção dos alunos e a forma como eles participaram. Quando as crianças percebem nosso interesse pela leitura, elas também se interessam instantaneamente. Nossa participação também as incentiva a serem mais participativas nas atividades propostas pela escola”, Emiliane, mãe  de um aluno do 2º ano.
“A maleta literária mostra não só para as crianças, mas também para os adultos, como a leitura é importante. Depois que a inventaram, passamos a ler em família toda semana”, Jaqueline, mãede um aluno do 3º ano.
Encaminhamentos além do projeto
Com base no que o projeto rendeu, pensei em implantar as seguintes ações ao longo dos próximos meses:
  • Orientar as famílias na compra de títulos literários e nas estratégias de leitura em casa;
  • Planejar com os professores tarefas de casa envolvendo a leitura que possam ser feitas em parceria com os pais;
  • Promover visitas a bibliotecas externas à escola com os alunos;
  • Incentivar a participação dos professores em rodas de conversas com autores de livros;
  • Organizar saraus e contação de histórias;
  • Adquirir mais livros para a biblioteca da escola com o apoio da família;
  • Fazer leituras literárias durante as reuniões de módulo com os professores de forma a incentivá-los a ler para os alunos;
  • Apresentar títulos e gêneros variados para os professores, buscando diversificar o repertório deles;
  • Discutir e orientar os docentes na abordagem e na avaliação da leitura das obras literárias e nas estratégias para estimular o comportamento leitor nas crianças.
Ainda tenho um longo caminho pela frente nesse trabalho, mas, aos poucos, pretendo percorrê-lo.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Como escolher o que ensinar?

Todos têm um palpite sobre o que deve ser ensinado na escola. Como escrevi no post anterior, são muitas as pressões sobre o professor, que acabam gerando inquietações, insegurança e podem atrapalhar o bom andamento do trabalho docente.
Professor, é preciso enfrentar essas inquietações com serenidade e tirar certos fardos das nossas costas. Um primeiro recado vindo diretamente do mundo real: quando escolhemos decidir ensinar alguma coisa, obrigatoriamente estamos escolhendo não ensinar outra. O nosso tempo é finito e, no caso da EJA, bem curto. Isso significa que sempre sobrarão assuntos importantes que não serão ensinados.
Se isso já acontece no ensino regular, que dirá na EJA, onde o tempo é bem mais escasso? Nem tudo que gostaríamos será tratado em aula! Temos que ter consciência e tranquilidade a esse respeito.
Por outro lado, essa realidade nos obriga a escolher a dedo os assuntos a ser abordados. Eles devem ser importantes para a sua área de atuação, interessantes de serem estudados e adequados para fazer os alunos avançarem o máximo possível no curto período em que passam conosco.
“Ok”, você dirá. “Que assuntos são esses, então?”
Seria impossível montar uma lista de tópicos que servisse a todos os cursos de EJA do Brasil. No entanto, descrevo a seguir alguns critérios que julgo importantes para escolher e montar um currículo, a partir do olhar da minha área (Ciências):
- Assuntos que favoreçam o aprendizado de habilidades fundamentais para compreender como se constrói conhecimento. Em Ciências, registrar dados e propor hipóteses são exemplos desse tipo de habilidades. Portanto, ao escolher o que ensinar, prefiro assuntos que me permitam propor atividades em que os alunos pratiquem esses procedimentos.
- Assuntos que abordem os conceitos estruturantes da área. No caso de Ciências, as ideias de energia, ambiente e transformação, por exemplo, são absolutamente essenciais e devem aparecer de um jeito ou de outro. Tanto faz se a ideia de energia é discutida quando se trata dos alimentos (as calorias são uma medida da energia contida na comida) ou quando se analisa o consumo de diferentes eletrodomésticos; o importante é que o conceito de energia, que é essencial, seja apresentado e discutido.
- Assuntos que tenham relevância social. Os temas abordados em sala devem de preferência relacionar-se a problemas e situações que os alunos e sua comunidade efetivamente vivenciam. O estudo desses temas deve ajudá-los a enfrentar essas situações de maneira mais embasada. Se você considera que um certo tema que ensina só tem relevância dentro da sala de aula, sugiro que repense a presença dele no seu planejamento!
- Assuntos que toquem no conhecimento que os alunos já possuem. Alunos da EJA têm uma grande vivência fora da escola e, ao escolher o que vou ensinar, privilegio temas que permitam colocar seus conhecimentos-prévios lado a lado com os saberes escolares. Comparando-os, os alunos podem refletir como cada tipo de saber é produzido, seus alcances, suas belezas e seus limites. Esse aspecto foi valorizado nos estudos que fizemos sobre a Lua. Esses são os principais aspectos que levo em conta na difícil tarefa de escolher o que ensinar (e de decidir o que não ensinar!). Ter clareza sobre eles me ajuda a responder a inquietante pergunta: será que o que ensino é importante para os alunos? E você, que critérios usa na hora de escolher os assuntos das aulas?

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Formação Online: cursos gratuitos nas melhores universidades do mundo


Shutterstock
A tecnologia não é só games e navegação na web, certo? Ela pode ser também uma valiosa ferramenta de aprendizagem para você, professor. Afinal, o mundo digital permite descobrir oportunidades de aprendizagem que não eram acessíveis há 20 anos. Hoje, o acervo de instituições de ensino no mundo todo começa a ser disponibilizado pela web (e a maioria de forma gratuita). Essas iniciativas investem nos chamados MOOCs (Massive Open Online Courses ou Cursos Online Gratuitos e Massivos) e indicam novos caminhos para a Educação em diversos segmentos.
Um exemplo é o portal E-aulas, da Universidade de São Paulo (USP), que reúne cursos on-line em diversas áreas do conhecimento, totalizando mais de 949 horas de aulas. A página da graduação em Pedagogia, por exemplo, tem material para quem quer se manter atualizado sobre temas como a Inclusão, com aulas do curso de Ensino de Ciências na Perspectiva da Educação Inclusiva. Também há opções de aulas em disciplinas como a Geografia, além de outras da área de Exatas e Biológicas.

A Coursera é outra plataforma virtual que oferece cursos on-line gratuitos. O site reúne aulas de universidades de ponta no mundo todo, como Princeton e Stanford, nos Estados Unidos. A maioria das aulas está em inglês, mas graças a uma parceria com a Fundação Lemann, o portal está lançando aulas traduzidas para português. A ideia é traduzir 12 cursos até o fim do ano. 

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Sustentabilidade na escola é mais
do que um tripé.


Olá!
Estreamos o nosso blog e os primeiros comentários já trouxeram mil ideias, novas perguntas, respostas e dicas de conteúdos que teceremos nas próximas postagens. Fiquei com uma enorme vontade de conhecer de perto as experiências do Ricardo, da Fátima, da Melanie, do Cláudio… Sinal de que estamos fazendo muito por aí e precisamos compartilhar. É a rede sendo formada! Inspirado por esses contatos iniciais, este post traz uma pincelada de reflexões para a gente pensar, durante a semana, sobre como vem tratando o desafio de inserir o tema sustentabilidade na escola e no nosso cotidiano.
Em 1998, tive o desafio de construir, coordenar e implantar o Programa Supereco de Formação de Multiplicadores de Educação Ambiental, com o apoio do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) e de algumas empresas. Envolvemos mais de 70 escolas públicas e algumas particulares na formação de gestores e professores, na elaboração de material didático, no monitoramento presencial e na avaliação de resultados. Foi um enorme desafio na época, uma vez que o Ministério da Educação (MEC) havia lançado, um ano antes, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), apresentando o meio ambiente como tema transversal. Ouvi inquietações da maioria dos gestores escolares sobre como isso seria possível, pois possuíam tantos desafios mais importantes na rotina e era pouco tempo para muita demanda curricular. Eles citavam, por exemplo, os recursos financeiros quase sempre escassos, a rotatividade de educadores e os professores lidando com “alunos-problema” (apesar de eu achar que não há problema e que temos de transformar isso em desafio e em oportunidade de mudança). Alguns consideravam que a abordagem do meio ambiente seria função apenas do professor de Ciências… E por aí seguiam muitas justificativas que continuei ouvindo ao longo dos anos.
O jeito foi mostrar que podemos fazer muito com pouco tempo, pouco recurso e uma boa dose de criatividade! E por mais que tentássemos deixar de lado a transversalidade do meio ambiente no currículo e a sustentabilidade na escola, elas voltavam num efeito bumerangue. Afinal, a escola ocupa um espaço físico/território e está no meio ambiente; a arquitetura e tudo o que é usado nela depende dos recursos naturais e impacta sobre eles; as pessoas são influenciadas pelo modo de fazer a gestão e de se relacionar na escola, peloambiente de convívio e pelo seu entorno (dialógico, harmonioso, equilibrado, saudável ou não); e o aprendizado do aluno para a ação faz mais sentido se for ligado à sua realidade. Daí a importância do currículo tratar dos elementos, cenários e situações locais e do dia a dia para permitir o exercício da cidadania.
Os movimentos que geram mudança
A grande questão é, portanto, ampliar o olhar sobre o que já fazemos na escola e o que ainda podemos fazer. Num exercício mental, com o auxílio da Matemática, partimos de um ponto e podemos sempre ficar parados nele! Se não juntarmos a outro ponto não teremos uma reta, elemento que nos permite avançar. Três retas nos dão um triângulo onde já há conexão (como no famoso tripé da sustentabilidade: social, econômico e ecológico). O triângulo cabe dentro de um círculo, que pode conectar e interagir com outros círculos, mostrando como tudo se expande em ciclos, como ocorre na natureza e isso pode criar uma escola viva, dinâmica e conectada com seu ambiente e seu entorno! É isso que a ilustração do nosso post busca resumir.
A revisão das abordagens pedagógicas vinculadas ao currículo é o caminho mais fácil para começar a mudança, com a devida inserção das reflexões que listamos acima no projeto político-pedagógico (PPP) da instituição. Uma das minhas maiores alegrias nas formações realizadas nesses anos foi conhecer um trabalho de melhoria da alfabetização numa escola ribeirinha do Acre que passou a relacionar as frutas e os peixes locais, inclusive ensinando a importância do manejo na extração e na caça fora do período de reprodução.
Satisfação maior foi ver que os caminhos acima descritos, com a lógica da sustentabilidade baseada em “gestão, espaço físico e currículo”, tudo isso levando à cidadania, se transformaram em novas políticas públicas do MEC. Algumas delas possuem bons materiais de apoio para você começar a construir esse sonho de escola sustentável. Confira alguns deles nos links abaixo.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Ideb 2013: apenas anos iniciais do Ensino Fundamental alcançaram meta.





Os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2013, divulgados no dia 5 de setembro, mostram que o país não conseguiu cumprir os objetivos estabelecidos para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. Nas séries iniciais, o índice ficou acima do estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC). (Veja gráfico abaixo)

Clique para ampliar
No Ensino Médio, apenas três estados alcançaram ou superaram a meta. Nos anos finais do Ensino Fundamental, foram oito e, nos anos iniciais, 25. (Veja quais nos mapas abaixo)
 Cumprimento das metas do Ideb, por estado
Clique para ampliar
Regressão
Chama a atenção a quantidade de redes em que houve queda em comparação aos dados de 2011. No Ensino Médio, foram 14 unidades da federação, além de outras cinco em que não houve alteração. Avançaram apenas Piauí, Pernambuco, Alagoas, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás e Distrito Federal.
Para os anos finais do Ensino Fundamental, houve regressão em seis estados (Pará, Amapá, Tocantins, Sergipe, Santa Catarina e Mato Grosso). Outros sete alcançaram o mesmo valor do Ideb anterior (Distrito Federal, Paraná, São Paulo, Espírito Santo, Piauí, Maranhão e Roraima) e os demais estados superaram a meta.
Já nos anos iniciais, o quadro se inverteu: apenas dois estados apresentaram resultados piores do que os alcançados em 2011 (Rio de Janeiro e Amapá). Além deles, o Maranhão se manteve estável e o restante avançou.
O Ideb é o principal valor medido pelo MEC e serve como referência para a implantação de diversas ações tanto pelo Ministério e pelas redes quanto pelas escolas de todo o país. Seu cálculo é baseado nas médias alcançadas pelos alunos do 5º e do 9º anos do Fundamental e do 3º do Ensino Médio na Prova Brasil/Saeb e nas taxas de aprovação em cada etapa de ensino.
Os dados completos do Ideb 2013 estão disponíveis no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Anísio Teixeira (Inep), órgão do MEC responsável pelo cálculo.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014


Como acompanhar os avanços dos alunos indicados aos grupos de apoio?


Os instrumentos de avaliação devem ser planejados de acordo com os conteúdos selecionados para o grupo de apoio (Foto: Manuela Novais)
Os instrumentos de avaliação devem ser planejados de acordo com os conteúdos selecionados para o grupo de apoio (Foto: Manuela Novais)
Para finalizar a sequência de reflexões sobre os grupos de apoio, gostaria de compartilhar com vocês como oriento os professores a fazer o acompanhamento dos alunos que são selecionados para esse espaço. A seleção, o planejamento e a avaliação são sempre realizados por mim em parceria com o docente de apoio e, depois, costumo deixar que ele desenvolva as atividades com autonomia. Mas o processo formativo desses profissionais continua e o diagnóstico e o acompanhamento dos estudantes são temas que merecem atenção constante.
Diferentes instrumentos podem ser utilizados para o acompanhamento dos alunos. A escolha da melhor opção depende do que queremos avaliar e das necessidades de aprendizagem diagnosticadas para aquelas crianças. Na escola em que trabalho, por exemplo, há grupos focados em trabalhar com os alunos que precisam avançar nas hipóteses de escrita e leitura, grupos de práticas de leitura e escrita e grupos de resolução de problemas matemáticos. Os instrumentos de avaliação, por sua vez, deverão ser planejados de acordo com os conteúdos prioritários selecionados para o grupo e devem fornecer dados precisos sobre a evolução da aprendizagem.
Descrevo, abaixo, alguns instrumentos que utilizamos:
Para grupos de apoio de alfabetização: solicitamos que escrevam uma lista de palavras ditadas pelo professor ou um texto memorizado, como a parlenda. Organizamos uma ficha de acompanhamento das hipóteses de escrita apresentadas pelos alunos e registramos os avanços em gráficos.
Para os grupos de apoio de práticas de escrita: pedimos que produzam um texto narrativo sobre as histórias e os contos que estão estudando. Após a escrita, tabulamos em uma planilha os aspectos que queremos analisar e, com base nisso, planejamos novas intervenções. A análise das produções escritas da turma não pode ser considerada o único recurso para avaliar o que os alunos estão aprendendo e o que é preciso planejar para que continuem avançando. As observações feitas pelo professor ao longo do desenvolvimento das atividades também precisam ser consideradas.
Para os grupos de apoio de práticas de leitura: selecionamos descritores e habilidades de leitura e elaboramos atividades de leitura e interpretação de texto, fazendo a tabulação dessas habilidades.Também registramos em planilhas o tipo de texto, a frequência da leitura dos alunos e outros registros observados em aula.
Para os grupos de apoio de resolução de problemas matemáticos: registramos o avanço e a evolução dos conhecimentos matemáticos dos alunos na resolução de problemas. Organizamos planilhas com possíveis estratégias com as quais os alunos poderão resolver os problemas e acompanhamos a evolução deles em relação ao cálculo.
De maneira geral, também podemos acompanhar os alunos através do rendimento ao longo do ano letivo nas aulas regulares, bem como pelos resultados que obtém em avaliações internas e externas. Sugiro, ainda, que os professores tenham um caderno com um bom espaço para anotações das observações individuais sobre cada estudante e mantenham aí registros das produções realizadas.
Para nós, coordenadores, o mais importante é orientar os professores sobre a elaboração de atividades, a aplicação delas, a avaliação constante e a manutenção dos registros. Para poder exemplificar esse processo, veja aqui alguns modelos de instrumentos e orientações que podem ser realizadas na seleção e acompanhamento dos alunos.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014


As inquietações de um professor pressionado.


Imagem utilizada para o blog de EJA sobre as pressões e preocupações que o professor sente/tem no dia a dia. Imagem: Shutterstock/ Montagem
Vamos imaginar um professor que acaba de apresentar um conteúdo para a classe.
No breve instante em que os alunos fazem seus registros, ele pensa: será que isso que estou ensinando é importante?
Esse questionamento se desdobra em outros: Será que os alunos usarão esse conhecimento em algum momento de suas vidas fora da escola? Será que esse conhecimento de alguma maneira mudará a vida dos alunos para melhor? Será que esse conhecimento interessa aos alunos?
O professor olha então para a lousa e pensa que o conteúdo que acabou de apresentar talvez não importe. E passa a imaginar como seria ótimo se tudo o que ensinasse tivesse de fato significado para a vida dos alunos.
Ele pensa que uma aula ideal partiria de um problema real da vida dos alunos. O professor mostraria como certos aspectos teóricos da área em que é especialista iluminam aquela questão. Então os alunos, de posse daqueles conhecimentos, poderiam rediscutir o problema, encaminhar uma solução. Ao final, teriam refletido sobre questões que podem melhorar suas vidas.
Mas então o professor cai na real.
Lembra-se de que existe a expectativa de que ele “cumpra” todo o livro didático: dos alunos, dos pais, da coordenação e direção da escola.
Lembra-se de que alguns alunos querem passar no vestibulinho, no vestibular ou tirar uma boa nota no ENEM.
Lembra-se de que ele, professor, ingenuamente, fez um planejamento otimista no início do ano, mas que agora não terá tempo de cumprir. A turma deste ano tem um ritmo mais lento que a turma do ano passado e certas atividades têm levado mais tempo que o costumeiro. Lembra-se de um aluno que é diferente dos outros (pode ser deficiente visual, disléxico, portador de TDAH, cadeirante, ter problemas graves na família…) e que precisa de atenção. Lembra-se do aluno ligeiro, que sempre termina antes dos outros e também precisa de atenção.
Nesse momento, o planejamento que o próprio professor elaborou pode se virar contra ele, pois o diretor da escola, o supervisor de ensino, o secretário de educação podem questioná-lo a respeito.
Lembra-se de seu professor, que atuava na mesma área em que ele, e de como ele conseguia ir “mais longe” nos conteúdos. “Será que a falha é minha?” – pensa o professor.
Lembra-se das cobranças da coordenação geral da escola, exigindo que ele utilize o tempo de algumas aulas para participar de certo projeto. Lembra-se das inúmeras cartilhas que recebeu: Educação sexual, Educação para o trânsito, prevenção contra a tuberculose, prevenção contra a dengue, uso racional da água, economia de energia, empreendedorismo, proteção ao meio ambiente, robótica para iniciantes. Lembra-se das ONGs que têm feito parcerias com sua escola e com quem há muitas oportunidades de colaborar.
Lembra-se de que em breve acontecerão eleições, que seus alunos estão muito mal informados sobre o assunto e que gostaria de abrir espaço em suas aulas para aprofundar a discussão sobre política. Lembra-se de uma novidade noticiada ontem na televisão e que gostaria de comentar com os alunos, mostrando como se relaciona com os conteúdos que estudaram no mês passado.
Lembra-se dos colegas das séries posteriores que comentam todos os dias sobre como os alunos estão chegando “fracos”, como não sabem fazer tal e tal atividade, como não sabem sequer ler um texto, como não sabem nem mesmo os conteúdos mais básicos. Lembra-se dos colegas das séries anteriores, que avisaram no começo do ano que, devido aos feriados do ano passado, não conseguiram tratar de todos os conteúdos previstos, e que por isso será necessário começar de um ponto anterior.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Os conflitos que ocorrem fora da escola também nos pertencem?


Algumas vezes é na escola que explodem conflitos originados fora da instituição. E isso tem se tornado ainda mais frequente com o uso das redes sociais, lugar onde têm sido expostos e compartilhados sentimentos positivos e negativos em relação a tudo e a todos.
O que fazer? Delimitar o espaço de atuação da escola, agindo somente sobre os desafios que nela surgem, ou, perceber que, na maioria das vezes, os sujeitos envolvidos nos conflitos fora dos muros são, também, nossos alunos?
Com base nas ideias que tenho defendido, torna-se clara minha escolha pela segunda alternativa. Tudo é uma questão de coerência: se pretendemos trabalhar o ser humano aluno, ele não existe somente entre os muros da escola. É exatamente pelas atitudes que os meninos e as meninas têm longe dos olhos vigilantes dos adultos que os orientam que podemos mensurar o quanto nosso trabalho de formação – moral e social – está (ou não) voltado para a construção da autonomia e de personalidades éticas.
É inaceitável fingir que não sabemos ou fechar os olhos diante de situações gravíssimas como, por exemplo, o uso inadequado de aplicativos como o Secret, “segredo”, em inglês, em que os usuários compartilham textos e imagens com seus amigos sem se identificar. E você pode pensar: “Ah, mas esse assunto já foi resolvido pela justiça brasileira e o uso do aplicativo foi proibido em nosso país”. Mas não é a restrição legal de qualquer que seja a ferramenta virtual ou substância que irá assegurar aos nossos meninos e meninas a escolha por atitudes construtivas.
Entendo e concordo que nossa responsabilidade aumenta – e muito – quando nos implicamos com as questões vindas do lado de fora da escola. Mas o grande desafio dos educadores é conceber a vida real e os fatos do mundo como matéria-prima do seu trabalho.  A escola que se restringe aos conteúdos programáticos fatalmente falha na formação do ser humano. E convenhamos: é de seres humanos melhores que o mundo precisa.
Pois então, encaremos a realidade, não há possibilidade de um clima favorável de aprendizagem se as pessoas envolvidas estiverem somente de corpo presente. Há o mito de que não cabe à escola se envolver nos conflitos externos à instituição, mas o trabalho voltado para o cotidiano não descarta espaços de discussão e reflexão sobre essas questões externas. Respeitando o que é de âmbito privado, devemos garantir os momentos de troca de diferentes pontos de vista acerca das mais diversas situações de vida, de acolhimento dos sentimentos, dúvidas e angústias do grupo, e da prática do respeito mútuo. Isso envolve, necessariamente, o exercício de escuta e de comprometimento com o desenvolvimento. Não cabe à escola solucionar todos os problemas, entretanto, é (ou deveria ser) também de responsabilidade da escola promover espaços de debate sobre maneiras positivas de viver um conflito, propor alternativas que assegurem o direito de todos, retomando seus deveres quanto à convivência pacífica e respeitosa.
Os avanços da tecnologia e a dinâmica da sociedade atual ainda trarão inúmeros desafios para o ambiente escolar. Não há como blindar a instituição contra temas, fatos e episódios que rondam a vida de nossos alunos. Afinal, como referência que somos, nossa postura de lucidez e acolhimento pode representar o único porto seguro para muitos estudantes.
Imaginar que seja possível o aluno deixar do lado de fora da escola angústias e inquietações causadas por conflitos iniciados em outros ambientes é o mesmo que acreditar na possiblidade de deixarmos também em casa nossa gaveta de problemas e preocupações.