quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Os conflitos que ocorrem fora da escola também nos pertencem?


Algumas vezes é na escola que explodem conflitos originados fora da instituição. E isso tem se tornado ainda mais frequente com o uso das redes sociais, lugar onde têm sido expostos e compartilhados sentimentos positivos e negativos em relação a tudo e a todos.
O que fazer? Delimitar o espaço de atuação da escola, agindo somente sobre os desafios que nela surgem, ou, perceber que, na maioria das vezes, os sujeitos envolvidos nos conflitos fora dos muros são, também, nossos alunos?
Com base nas ideias que tenho defendido, torna-se clara minha escolha pela segunda alternativa. Tudo é uma questão de coerência: se pretendemos trabalhar o ser humano aluno, ele não existe somente entre os muros da escola. É exatamente pelas atitudes que os meninos e as meninas têm longe dos olhos vigilantes dos adultos que os orientam que podemos mensurar o quanto nosso trabalho de formação – moral e social – está (ou não) voltado para a construção da autonomia e de personalidades éticas.
É inaceitável fingir que não sabemos ou fechar os olhos diante de situações gravíssimas como, por exemplo, o uso inadequado de aplicativos como o Secret, “segredo”, em inglês, em que os usuários compartilham textos e imagens com seus amigos sem se identificar. E você pode pensar: “Ah, mas esse assunto já foi resolvido pela justiça brasileira e o uso do aplicativo foi proibido em nosso país”. Mas não é a restrição legal de qualquer que seja a ferramenta virtual ou substância que irá assegurar aos nossos meninos e meninas a escolha por atitudes construtivas.
Entendo e concordo que nossa responsabilidade aumenta – e muito – quando nos implicamos com as questões vindas do lado de fora da escola. Mas o grande desafio dos educadores é conceber a vida real e os fatos do mundo como matéria-prima do seu trabalho.  A escola que se restringe aos conteúdos programáticos fatalmente falha na formação do ser humano. E convenhamos: é de seres humanos melhores que o mundo precisa.
Pois então, encaremos a realidade, não há possibilidade de um clima favorável de aprendizagem se as pessoas envolvidas estiverem somente de corpo presente. Há o mito de que não cabe à escola se envolver nos conflitos externos à instituição, mas o trabalho voltado para o cotidiano não descarta espaços de discussão e reflexão sobre essas questões externas. Respeitando o que é de âmbito privado, devemos garantir os momentos de troca de diferentes pontos de vista acerca das mais diversas situações de vida, de acolhimento dos sentimentos, dúvidas e angústias do grupo, e da prática do respeito mútuo. Isso envolve, necessariamente, o exercício de escuta e de comprometimento com o desenvolvimento. Não cabe à escola solucionar todos os problemas, entretanto, é (ou deveria ser) também de responsabilidade da escola promover espaços de debate sobre maneiras positivas de viver um conflito, propor alternativas que assegurem o direito de todos, retomando seus deveres quanto à convivência pacífica e respeitosa.
Os avanços da tecnologia e a dinâmica da sociedade atual ainda trarão inúmeros desafios para o ambiente escolar. Não há como blindar a instituição contra temas, fatos e episódios que rondam a vida de nossos alunos. Afinal, como referência que somos, nossa postura de lucidez e acolhimento pode representar o único porto seguro para muitos estudantes.
Imaginar que seja possível o aluno deixar do lado de fora da escola angústias e inquietações causadas por conflitos iniciados em outros ambientes é o mesmo que acreditar na possiblidade de deixarmos também em casa nossa gaveta de problemas e preocupações.

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