quinta-feira, 7 de maio de 2015

Risquinho, bolinha ou número para contar


Um bom trabalho didático sobre o sistema de numeração e registros escritos deve prever situações em que as crianças possam explorar as diversas formas de notação, refletir sobre a adequação de cada uma delas em relação às necessidades e discutir sobre o significado da representação por meio dos números. Foi esse o caminho que Aline Dezengrini de Souza propôs para a sala de pré-escola da EEI do Sesc, em Santo Ângelo, a 435 quilômetros de Porto Alegre. 

Aline levou uma coleção de carrinhos para a sala e pediu que cada um escrevesse em uma folha quantos havia. Vários tipos de registro surgiram: representações dos carrinhos, bolinhas, pauzinhos e algarismos. Alguns perceberam que os colegas estavam anotando de formas diferentes e ficaram desconfortáveis com a situação, dizendo: "Ele está fazendo errado!" e "Pode ser do jeito que ele fez?".

Começaram, então, a apagar o que haviam escrito e Aline interveio: "Por que você está apagando? Acha que o jeito que o colega anotou é melhor do que o seu?". Uma garota justificou ter desistido de desenhar bolinhas porque carrinhos eram uma forma mais bonita de registrar. Outra, que tinha anotado com pauzinhos, disse que demorava mais para desenhar. 

Aline começou, então, a problematizar as quantidades. Separou a turma em duplas para que pudessem comparar suas notações. Crianças que marcaram errado resolveram riscar os carrinhos a mais e outras apagar. Houve ainda quem desenhasse tudo outra vez. A professora questionou por que fazer isso, mesmo que alguns estivessem certos e disse que havia a opção de acrescentar ou diminuir marcações. 

Susana Wolman, no livro Letras y Números: Alternativas Didácticas para Jardín de Infantes y Primer Ciclo de la EGB (256 págs., Ed. Santillana, sem tradução para o português), reproduz a discussão entre uma educadora e a sua turma sobre se um algarismo poderia representar mais de um objeto. Ainda que os pequenos concordassem que números eram boas formas de registro, achavam que cada algarismo poderia representar um único objeto. "Compreender a utilização dos algarismos é um processo que leva tempo e requer uma diversidade de situações que envolvam distintos usos dos números: como código, para indicar localização e ordem de atendimento, entre outros usos sociais.

O professor deve explorar quais estratégias são mais eficientes para cada situação", explica Priscila Monteiro, consultora pedagógica da Fundação Victor Civita (FVC).


Guerra dos dados 

Outra atividade interessante usando registros escritos de quantidades foi feita por Andreia Amorim dos Santos, que leciona na EMEI Maria Alice Pasquarelli, em São José dos Campos, a 90 quilômetros de São Paulo. Ela apresentou à sala o jogo guerra dos dados. Para começar a brincadeira, formou dois grupos, que seriam adversários. Em todas as rodadas, um integrante de cada equipe jogava o dado e anotava a pontuação obtida no quadro. O grupo vencedor seria aquele que atingisse mais pontos. 

Na hora de descobrir quem havia vencido, a professora pediu que um membro de cada grupo fosse até o quadro e contabilizasse os pontos. Logo começou uma discussão na sala, já que havia anotações de diferentes formas, como bolinhas, pauzinhos, algarismos e sequências de números. Todas aquelas formas de registro permitiam saber qual era a equipe vencedora? Era o que todos mais queriam saber. 

Na primeira tentativa, os dois incumbidos de contar os pontos começaram a tarefa pelos pauzinhos e riscaram cada um dos contabilizados, para não se perderem. No entanto, pararam ao chegar aos algarismos, pois não sabiam como somar.

Resolveram contá-los como se cada um representasse um ponto. Os colegas logo interferiram: "Você não pode contar o número 5 como uma coisa...", "São 5 coisas!". 

Andreia convidou todos para realizar a tarefa coletivamente e fez algumas intervenções. Disse que eles deveriam contar os pontos um por um. Então, quando chegaram novamente nos algarismos, perguntou como resolver o problema. Um menino sugeriu transformar o número em pauzinhos, para que fosse possível somar. Todos concordaram e assim foi feito. 

Sobre essa discussão, protagonizada pelos pequenos, Camilla Schiavo Ritzmann, formadora do Instituto Avisa Lá, explica: "As crianças precisam dos pauzinhos para contar, já que não são autônomas nos cálculos numéricos. É importante que se esforcem para criar estratégias, não cabendo ao professor apontar as saídas. No entanto, ele pode retomar o debate no futuro para incentivar a criação de outros caminhos". 

Passados alguns minutos, a docente perguntou novamente qual havia sido o resultado. Ninguém se lembrava, e a contagem recomeçou. Andreia indagou, então: "Que tipo de registro podemos usar para não ter de contar todos os pauzinhos cada vez que quisermos saber a pontuação das equipes?". "Em número, para saber quem ganhou sem demorar", sugeriu Isaac Pace dos Santos, 5 anos. "Senão tem de contar de um em um tudo de novo e demora", completou Thainá de Oliveira Alvarenga, 4 anos. Era o que Andreia precisava para propor que a turma pensasse sobre os registros mais úteis para cada necessidade. Como não sabiam somar, pauzinhos eram bons para contabilizar os pontos. Para o resultado total, números eram mais úteis. 

Na hora de registrar as quantidades finais de pontos, os pequenos foram buscar os valores correspondentes na reta numérica (do 1 ao 50). Uma nova discussão se iniciou. Um grupo havia conseguido 36 pontos e o outro 39. Como o 36 apareceu antes, as crianças acharam, então, que a equipe que tinha conquistado esse total era a ganhadora. Andreia questionou: "Os números maiores ficam no começo ou no fim da reta?".

Elas disseram que ficavam mais próximos do fim, concluindo que o grupo vencedor era o que tinha atingido 39 pontos. Sobre a sequência didática da professora Andreia, Camilla completa: "O que faz diferença para a criança é participar dessas discussões frequentemente. Afinal, uma boa aprendizagem da numeração escrita, abrangendo a compreensão do sistema, influencia na construção de conceitos matemáticos".

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