terça-feira, 12 de maio de 2015

Alguns benefícios didáticos do Jogo de Xadrez

O Cérebro é como um músculo; se usado Desenvolve e se fortalece, caso contrário, atrofia, fossiliza...
"Sem Questionamento torna-se impossível alcançar o Discernimento..."

Parece que um dos grandes problemas dos nossos tempos é a visão quase sempre parcial que temos das coisas à nossa volta. Isso normalmente ocorre porque valorizamos a especialização. Desde cedo somos condicionados a buscar na especialização uma resposta para todos os nossos problemas. Mas, ao contrário do se pensa, isso acaba por limitar de forma dramática nossa visão do mundo, uma vez que passamos a ver tudo como fragmentos. 

É como se olhássemos o mundo de uma janela e a parte visível representasse tudo o que existe. Se emocionalmente, diante de cada situação reagimos de uma maneira bem peculiar, assim como nós, todas as outras pessoas têm seu próprio modo de reagir às mesmas situações. Pode-se constatar isso facilmente através da observação das nossas preferências, particularidades, medos, e assim por diante. 

Um dos grandes desafios do educador deveria ser a formação de alunos dentro de uma filosofia integral. Por integral entendemos, enxergar o movimento da vida como uma coisa só, em transformação, nunca estática, sempre dinâmica, e não encarcera pela fragmentação, como é a visão especialista. Entendemos que a vida como um todo retrata todas as faces do indivíduo, suas crenças, os medos, os conflitos, as incertezas, a angústia, e todo sofrimento ao qual ele está sujeito, sem, contudo, desprezar sua biologia. Mas não podemos ignorar que o seu processo psicológico merece uma atenção especial. 

Não podemos compreender um ente humano tomando como base apenas uma parte do seu comportamento, a exemplo de uma postura social, situação étnica, ou mesmo a partir de uma preferência ideológica. Ele é tudo isso e muito mais; mais do que podemos perceber com nossos sentidos ordinários, ou nossa mente condicionada, amordaçada pela especialização. 


De certo modo somos orientados desde cedo a seguir uma carreira, a pensar dentro de uma caixa de métodos, segundo uma doutrina ou conjunto de regras, o que acaba se tornando o nosso mundo. Um mundo privado e cercado pelas muralhas desse repertório de conhecimento, que representa todo nosso saber, e atrás das quais nos escondemos. E isso acaba por nos confortar, criando acomodação, pois é um terreno sempre conhecido; é como se além daquilo nada mais existisse. 

Entender que a vida é dinâmica e está sempre em transformação, que é um mundo onde as alternativas ou opções mudam de posição constantemente, assim como exige o próprio ir e vir do viver, capacita o estudante a ter uma mente mais flexível, com disposição para se renovar sempre. Isso o facultará a acompanhar com mais realismo este incrível movimento impossível de ser contido. 

Uma mente flexível sabe que as alternativas são reais, e nunca se contenta com respostas prontas. É por natureza curiosa, está sempre aberta ao que é novo. O raciocínio lógico, de algum modo, capacita o jovem a pensar logo em alternativas, como possíveis respostas para seus problemas.
Essa visão o impede de tomar decisões precipitadas em sua vida adulta, pois saberá que para todo problema sempre haverá uma solução, e muitas alternativas para se chegar a ela. Uma mente com esse perfil estará mais capacitada para lidar com a dinâmica da vida. 


Um dos maiores dilemas do ser humano é sentir-se encurralado diante de uma situação qualquer. Nesse momento, sua mente não consegue raciocinar de uma forma lógica, coesa, racional, e os pensamentos se tornam mais ou menos fixos, recorrentes; ficarão gravitando em torno de um mesmo ponto, ou ideia, enfatizando as implicações do problema, como se estivesse presa numa espécie de vácuo mental. 

Nesse caso, desaparecem as respostas prontas, e como que por encanto não conseguirá vislumbrar alternativas. Uma espécie de engasgo temporário, do qual aquela mente não consegue se libertar é o efeito esperado. Isso acontece na maioria das vezes, devido ao condicionamento rígido que valoriza a visão fragmentária das coisas, de forma inflexível, presa à especialização. 

E quase nunca somos capazes de ver um problema a partir da sua origem. E tentamos solucioná-lo a partir dos seus efeitos, o que é um grande erro, uma vez que as consequências de um problema, na maioria das vezes, não representa o problema em si.

Essa visão parcial limita nosso pensar; limita nossas ações diante de questões simples ou complexas. O indivíduo que se especializa numa determinada área do conhecimento, decerto terá uma visão bastante restrita de tudo que não diga respeito aos seus domínios. E embora isso seja um fato óbvio, nunca é tratado como uma das razões da angústia e conflitos humanos. 

Uma visão parcial só é capaz de criar um indivíduo temeroso de tudo que possa encontrar além da sua área de atuação, ou domínios. Sentir-se-á naturalmente inseguro diante de qualquer situação fora do seu escopo cognitivo.
Será por natureza conservador, e sempre dependente de outros para guiar seus passos fora daquilo que conhece. Um indivíduo inflexível, que dificilmente conseguirá ser feliz diante de uma vida, que está sempre em movimento, sempre a se diversificar, em constante renovação.
Diante de cada problema, possibilidades múltiplas precisam ser consideradas. Essa bem que poderia ser a primeira orientação que deveríamos passar para nossos filhos e alunos. Isso resolveria o problema das verdades únicas, que afloram mundo afora, criando verdadeiras legiões de fanáticos cativados pela alienação. 

Teríamos um jovem sempre questionador, sempre disposto a aceitar, mas não apenas porque aquilo lhe foi imposto, e sim porque assim concluiu, depois de analisar dentre todas as possibilidades, que uma questão é capaz de suscitar. Seguir sem questionar é fácil, é o que a maioria faz. Mas um indivíduo só se torna questionador quando sabe que para cada questão, há sempre uma solução, dentre as inúmeras perspectivas, ou rotas, possíveis de conduzir ao desfecho. 

Isso quer dizer que, uma mesma questão, apesar de ter apenas uma solução, terá sempre vários caminhos possíveis de conduzir até ela, e nunca apenas um. Isso pode parecer banal, mas normalmente, diante de um problema, ele emperra porque só consegue vislumbrar a solução que mais o favoreça, e sempre dentro dos limites do seu perímetro de atuação. E por isso deixa de fora os caminhos alternativos, que também o conduziria a essa mesma solução. O caminho único pode limitar a ação, mas diante de alternativas viáveis, acabará por encontrar uma que se mostre mais adequada ao seu perfil e temperamento, aquela onde poderá exercitar todo seu potencial criativo. 

Uma visão mais ampla, quer dizer alguém que seja capaz de enxergar, não apenas o adversário que está diante de si, mas também todo ambiente à sua volta, e todos os demais protagonistas que façam parte da cenografia. Enfim, o maior número de detalhes do ambiente onde se desenvolve a trama, e seus possíveis desdobramentos. Essa perspectiva faculta uma quantidade maior de respostas. 

A visão geral da situação, onde também se inclui o adversário ou problema, permite que se faça uma melhor avaliação da pauta em questão, ampliando o espectro de suas consequências, quais as opções mais perfiladas com a possível solução. Com isso, pode-se até concluir que aquilo nem era um problema. Uma visão limitada e restrita de uma questão pode nos colocar diante de uma situação com cara de problema, sem que de fato o seja. 

Um jogador de Xadrez tem diante de si problemas, situações que se apresentam, de um modo inicial, como de difícil solução. Mas, eis que ao erguer seus olhos, ele pode vislumbrar mais adiante, ter uma visão panorâmica do problema. Ao ver o campo de ação por inteiro, ele poderá apreciar melhor o desafio que tem diante de si; a distribuição de suas variáveis, os caminhos que poderá tomar. Ali ele é capaz de avaliar, minimizar ou eliminar, os possíveis efeitos colaterais de suas decisões, e o mais importante, conhecer todos os recursos dos quais dispõe para tentar solucionar a questão. 

Poderá prever se as soluções que imagina terão o efeito desejado. Terá ainda diante de si, as possíveis consequências de cada caminho que escolher. Ele tem uma visão privilegiada, e por inteiro, da situação. Pode reconstituir todos os passos, de modo que o conduzam à raiz daquele obstáculo, e diante dos fatos, pode finalmente aprender sobre os eventuais desfechos das falhas já cometidas, que venham ou viriam a ocorrer. Poderá ainda prever como superar, no futuro ou no agora, cada dificuldade que se apresente diante de si. 

Para se aprender da forma adequada, a atenção disciplinada é sem dúvida a qualidade mais importante. O jogo de Xadrez se propõe a despertar em primeiro lugar, entre seus praticantes, esse essencial estado de vigília. Isso tornará o jogador um observador qualificado, mais atencioso com os detalhes, mais criterioso e lúcido, sagaz e capaz em suas decisões. 

Sua visão se renova. Seu modo de pensar se amplia, e terá a seu favor dois fatores mais que importantes na solução de qualquer questão da vida. Um deles é a lógica que o ensinará a sistematizar e organizar uma questão antes de tentar resolvê-la. A outra é a versatilidade ou flexibilidade, atributo de uma mente aberta, ágil, que está sempre disposta a experimentar as novas possibilidades, as alternativas, além daquelas já existentes, para solucionar uma mesma questão. 

Na visão tradicional, perfilada pelo condicionamento delimitador de cada um, temos diante de nós muitas soluções prontas para antigos e novos problemas. Se os problemas nunca se renovassem seria um cenário de mundo perfeito. Mas os problemas estão sempre mudando de forma, e as antigas soluções se mostram obsoletas, incapazes de resolver a questão.

Sendo orientado para, a partir do todo se chegar à parte, o jovem praticante de Xadrez desenvolve a capacidade de antecipar situações possíveis de criar problemas. Logo, ele se torna mais capaz, não só de evitar futuros obstáculos, mas também de solucioná-los. 

Uma mente vigorosa, ativa, cheia de músculos sinápticos bem desenvolvidos, é o benefício imediato de quem mentalmente articula muitos caminhos e possibilidades para se chegar a um objetivo. É a mesma coisa de um autor de ficção, a criar uma trama onde, por exemplo, o personagem principal, ao caminhar por uma estrada cheia de obstáculos, tivesse que tratar cada um, de uma maneira sempre nova, o que não seria possível com uma mente inflexível. 

Nessa prática, devemos ainda enfatizar, que o jogo apesar de ser uma competição, não precisa tornar-se uma disputa. A atividade serve de instrução para os dois jogadores, e nesse contexto, não existe aquele que perde e outro que ganha, mas apenas dois aprendizes que estão se qualificando na arte de tomar decisões.

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