sexta-feira, 17 de abril de 2015

ESPECIAL - Dia do Índio

A cultura indígena que se fortalece na escola


A ideia de uma escola indígena capaz de respeitar e valorizar os conhecimentos e a cultura locais é recente no país. Na lei, o tema foi contemplado pela primeira vez na Constituição de 1988. Na prática, ainda há muito a construir. Isso porque garantir um Projeto Político-Pedagógico (PPP) específico para cada uma das mais de 200 etnias que existem no Brasil não é uma tarefa fácil. Cada povo possui uma história própria - inclusive no que diz respeito à assimilação ou à resistência contra a descaracterização étnica. Estima-se que o Brasil chegou a ter 10 milhões de índios. Hoje, eles são pouco mais de 800 mil, ou 0,4% da população (e apenas 2,2% dessas crianças que frequentam o 3º ano do Ensino Fundamental falam a língua indígena, um dos menores porcentuais entre os países da América Latina). Alguns ainda preservam a língua e os costumes. E a escola, que antes só trabalhava pela aculturação, busca agora valorizar a diversidade. NOVA ESCOLA visitou duas terras indígenas no Acre para ver como estudam os índios katukinas e puyanáwas. Nesta reportagem, você vai ver como as diferenças entre elas podem ajudar nesse processo de construção de escolas mais próximas das necessidades de cada povo. 

Nas seis escolas da Terra Indígena Campinas Katukina, cujo centro urbano mais próximo é o município de Cruzeiro do Sul, a 648 quilômetros de Rio Branco, os alunos são alfabetizados em noke vana, língua que pertence à família pano - encontrada na Bolívia, no Peru, no Acre, no sul do Amazonas e em Rondônia. Toda a proposta pedagógica tem como eixo norteador o fortalecimento da cultura e dos saberes locais, com aulas sobre o processo de demarcação do território, o uso dos recursos naturais e as técnicas de artesanato e pintura corporal. Até o 5º ano, as aulas são restritas à cultura noke koi - expressão que significa "nosso povo". A Língua Portuguesa e as demais disciplinas obrigatórias da Educação regular só são ensinadas a partir do 6ºano. 

Na zona rural de Mâncio Lima, a 617 quilômetros de Rio Branco, a realidade da Terra Indígena Puyanáwa é diferente. A língua puyanáwa está praticamente esquecida, resultado de um violento processo de repressão do início do século passado e por isso o português é predominante. Para essas pessoas, o grande desafio é resgatar a cultura e aproximá-la das crianças por meio do currículo escolar. "Mais do que discutir uma Educação diferenciada, defendemos que cada povo encontre o melhor caminho para atender às suas especificidades", diz Maria do Socorro de Oliveira, coordenadora da Educação Indígena no estado. Desde 2000, são realizadas reuniões entre os líderes das aldeias, pesquisadores, professores e técnicos da Secretaria para fazer a construção e revisão dos currículos e do PPP.


Formação de professores para Educação Indígena


No início de 2001, Peres Kaxinawá foi escolhido para se tornar professor na aldeia em que mora, no município de Santa Rosa do Purus, a 301 quilômetros de Rio Branco. Vivendo em uma região praticamente isolada, na divisa do Brasil com o Peru, o docente começou a lecionar antes mesmo de terminar a Educação Básica e foi, aos poucos, conciliando o trabalho e a formação oferecida pela Secretaria de Estado de Educação do Acre. "Na época, eu já tinha completado o Ensino Fundamental em uma escola no Peru e comecei a fazer o Médio junto com o Magistério", conta. O docente cursou também Licenciatura em Educação Indígena e hoje leciona para turmas de 1º a 9º ano em sua aldeia e atua como técnico da Secretaria, auxiliando outros professores. 

A história do educador é uma das muitas que compõem o grande quebra-cabeça dessa modalidade de ensino no país. O Brasil conta com 2.817 escolas indígenas de Ensino Fundamental, em que estudam 175.098 alunos e nas quais lecionam 14.715 docentes. São instituições espalhadas pelas diferentes terras indígenas existentes (veja o mapa na página seguinte) e que atendem crianças, adolescentes e adultos pertencentes a 305 etnias, com 274 línguas.



Formar professores capazes de dar conta de toda essa diversidade é uma tarefa complexa, compartilhada entre a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC), universidades, Secretarias Municipais e Estaduais e ONGs. 

De acordo com o professor André Lázaro, pesquisador da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), que esteve à frente da Secadi entre 2004 e 2011, "não se pode ter a ideia de uma formação em massa, como se todos os indígenas fossem iguais, pois não são". O especialista defende que o currículo incorpore tanto as dimensões do saber local quanto aspectos relativos à docência. "A Educação Indígena, assim como a não indígena, pressupõe um conjunto de procedimentos para os quais os professores devem ser preparados", explica. Para abordar esses aspectos, é preciso organizar programas específicos.


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