segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Qual é a cor da cor da pele?


Ao iniciar um trabalho com retratos nas aulas de Arte, o professor Anderson Pinheiro Santos deu a seguinte orientação para os alunos do 4º ano da Escola Conviver, em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana do Recife: “Lembrem-se de alguém de que gostam. Como é o formato dos olhos? E da boca? Como é a pele? Agora, desenhem”. Durante a dinâmica, eles se depararam com um problema: de que cor pintar o rosto, já que o tom de cada pessoa era bem diferente do disponível nos potes de tinta ou nas caixas de lápis de cor, que geralmente têm um intitulado rosa-pele, por exemplo? 

Diante desse cenário, Santos explorou as cores em uma sequência didática que tratou da diversidade racial. “Alguns materiais industrializados reproduzem estereótipos de raça nomeando como cor de pele a branca e europeia”, afirma Eliana Gomes Pereira Pougy, especialista em Linguagens da Arte pelo Centro Universitário Maria Antonia (Ceuma) e mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). 

Para ampliar a percepção dos estudantes sobre a diversidade e as várias possibilidades de reprodução de cores e formatos de orelha, olho, boca e cabelo, por exemplo, o professor leu para eles a obra O Livro das Caras (Claire Didier, 72 págs., Ed. Vergara e Riba, tel. 11/4612-2466, 54,90 reais) e mostrou as ilustrações de gente de diversos tipos e tons que compunham as páginas.



Os alunos comentaram sobre a variedade de rostos existente e cada um comparou o que viu no livro com o seu e o dos colegas. Em seguida, discutiram sobre as características que fazem com que cada pessoa seja singular. Santos propôs que eles se lembrassem do que distinguia dois gêmeos idênticos que frequentavam a escola. 

Organizados em duplas, os estudantes escolheram uma personalidade conhecida para desenhar de memória. Na sequência, trocaram os trabalhos e outro aluno tinha de fazer uma cópia do desenho recebido do colega. “Ao verem as diferenças de resultado entre as produções, perceberam que, por mais que se esforçassem para que ficassem iguais, era possível notar as singularidades de cada uma das imagens. O mesmo ocorre entre pessoas aparentemente iguais, como gêmeos”, explica o docente. 

O passo seguinte foi abordar as expressões faciais que indicam sentimentos, como dor, alegria e raiva. As crianças retomaram as referências vistas no livro e dramatizaram essas emoções com o rosto, para depois retratá-las no papel.


Com a percepção apurada sobre as diferenças, foi o momento de mergulhar na análise das questões raciais envolvidas nos desenhos, a fim de que as crianças pudessem refletir sobre elas e fazer suas produções sem submetê-las a padrões predeterminados. Para isso, Santos indagou a turma sobre o que era preconceito e em que ele se baseava. Os alunos debateram sobre o problema de classificar as pessoas com base em características físicas, já que cada uma era única. 

Nesse momento, vale retomar a questão dos materiais de pintura e como o racismo se manifesta neles e nas representações. De acordo com Laila Sala, coordenadora de projetos educativos do Centro de Convivência Educativa e Cultural de Heliópolis, o preconceito tem raízes nos tempos da escravidão, mas ainda é um problema grave na sociedade brasileira. “Ao observar as relações na escola, é possível identificar a existência dessa mentalidade, que leva as pessoas a ser discriminadas pela cor da pele. Por isso, cabe à Educação provocar esse debate”, diz. 

Para aprofundar o assunto, Santos apresentou à turma artistas que trabalham com a questão racial, como a fotógrafa Angelica Dass, que desenvolveu o projeto Humanae. Por meio dos pixels da foto digital, ela identificou a tonalidade da escala Pantone (sistema numérico de classificação de cores) correspondente à cor de pessoas fotografadas em diversos países. Impressões dessas imagens foram distribuídas pelo docente para os estudantes. Com isso, eles identificaram a grande variedade de tons de pele: mais amarelados, rosados e amarronzados, por exemplo. 

As crianças também foram apresentadas ao projeto Polvo Portraits, da artista plástica Adriana Varejão. Com base nos dados do Censo de 1976, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre o que os brasileiros responderam sobre a cor de sua pele, Adriana criou tintas, que usou para pintar retratos feitos por ela. Segundo Laila, a ideia de inserir esse tema nas aulas de Arte é essencial, já que a produção artística se relaciona com as questões sociais de seu tempo e local de origem. “A arte não está descolada do contexto no qual está inserida. Ela lida com o plano simbólico desenvolvendo uma linguagem própria para isso”, analisa. 

Após a apreciação das obras, as crianças deram início ao próprio percurso investigativo, em que fizeram misturas de tintas para produzir tonalidades de pele e fazer retratos e autorretratos usando a nova paleta. Em um papel, eles pincelavam as cores originais e o tom final, nomeando cada um deles para que pudessem identificá-los depois. “Esse estudo permite ao aluno se apropriar das características expressivas das cores e ser capaz de manifestar ideias, desejos e sentimentos por meio da linguagem visual”, diz Eliana. 

A garotada também teve de pesquisar para criar cartelas com desenhos de diferentes tipos de olho, boca, nariz, orelha e cabelo, para que pudessem inserir nos rostos feitos. Os produtos finais fizeram parte de uma exposição organizada na escola. Com o projeto, as crianças concluíram que usar o bege ou o rosa como cor de pele é uma convenção e não representa a diversidade encontrada na sociedade. Também aprenderam que por trás desse tipo de padrão existe uma série de questões sociais e culturais envolvidas, que precisam ser debatidas para que preconceitos e estereótipos não sejam perpetuados. Dessa forma, chegaram à resposta para a pergunta-título desta reportagem: a cor da cor da pele é a cor que a pele de cada um tem.


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