Uma criança igual às outras
A mãe de um aluno da turma de 4 anos marcou uma reunião comigo e com a diretora da escola. Seu filho, apesar de ser novato na instituição, já havia se adaptado à rotina, à professora e aos colegas. Então, nossa hipótese para o motivo da conversa era que ela gostaria de obter mais informações sobre o projeto pedagógico e quais seriam as aprendizagens da turma, já que, desde o início do ano, a família se mostrava muito participativa e atenta às orientações escolares.
A razão da reunião, no entanto, era completamente diferente. A mulher e o marido queriam comunicar à escola que o filho era portador do vírus HIV.
A notícia foi muito inesperada. Eu e a diretora chegamos a nos perguntar como uma criança que estava sempre correndo e brincando ativamente com os colegas no parque poderia ser portadora de um vírus tão grave?
O casal nos disse que, até o momento, não pretendiam compartilhar tal diagnóstico com toda a escola para evitar que a criança fosse tratada de maneira diferente. No entanto, na semana anterior, a mãe havia presenciado uma das professoras cuidando de um ferimento no joelho de uma garotinha da sala de seu filho sem qualquer proteção de luvas, enquanto outras crianças consolavam a colega. A atitude era muito zelosa por parte de todos, porém, não havia nenhum cuidado com relação à prevenção de contato com o sangue.
De fato, eu e a diretora reconhecemos que, muitas vezes, nem nós usávamos luvas ao socorrer as crianças, apesar de a Secretaria da Saúde ter nos orientado a usá-las sempre em qualquer procedimento, como lavar, estancar e socorrer pequenos acidentes que, numa escola de Educação Infantil, acontecem quase diariamente. Em geral, minha prioridade era acalmar os professores e as crianças quando algo acontecia.
Bem, depois do impacto da notícia, a família nos contou a história da criança. O casal havia adotado o menino quando a mãe biológica faleceu em decorrência da Aids, alguns dias depois do parto. Eles sabiam que ele era soropositivo e garantiam o acompanhamento médico constante.
Nessa reunião, resolvemos respeitar a vontade dos pais e não contar para mais ninguém da escola sobre o diagnóstico do menino. O que faríamos seria compartilhar com todos os funcionários e professores que tínhamos um aluno portador do vírus HIV, mas sem identificá-lo. Assim, todos deveriam prestar muita atenção com a proteção durante o tratamento de ferimentos.
O grupo todo recebeu a notícia com respeito e ninguém ficou questionando quem poderia ser a criança. A equipe escolar concordou que esse era um bom alerta, pois, com o passar do tempo, acabamos deixando de lado as orientações que havíamos recebido. Relembramos, então, onde estavam as diversas caixas com luvas descartáveis e deixamos uma em cada sala, em cima do armário de alvenaria, longe do alcance das crianças, mas facilmente acessível por adultos. Além disso, deixamos uma caixa na janela do banheiro, visto que era lá que lavávamos os ferimentos.
A criança portadora de HIV continuou brincando e sendo feliz, sem ter seu estado de saúde exposto para ninguém. Essa ação evitou que, de alguma maneira, ela fosse tratada de maneira diferente, sendo protegida demais ou, por outro lado, fazendo com que alguém ficasse com medo de abraçá-la ou beijá-la, atitudes que não trariam qualquer risco a ninguém.
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