Autonomia: o que é e como alcançá-la?
No início da carreira, eu costumava colocar nos relatórios avaliativos de meus alunos de Educação Infantil frases do tipo: “Apresenta mais autonomia em suas atitudes…” Hoje, eu declararia que as crianças de 4 anos “apresentam mais independência ou iniciativa”. Não usaria a palavra autonomia.
E por quê? Afinal de contas, o que significa essa “autonomia” defendida em nossos discursos e projetos políticos pedagógicos?
A autonomia que almejamos para nossas crianças e nossos jovens vai muito além da habilidade de fazer algo sozinho, ter independência. O sentido de autonomia que defendemos é o de instrumentalizar nosso aluno para ele “querer fazer o que é certo”,porque agir corretamente o faz se sentir bem como pessoa. As escolhas moralmente corretas devem ocorrer por uma necessidade interna e não pela pressão social externa.
Quando a necessidade é interna, o menino não evita estragar as paredes porque há câmeras que possam identificá-lo; ele não deixa de bater no colega porque um adulto está presente – ou seja, por medo da punição. Ele aceita as regras porque entende e legitima o princípio do respeito às pessoas e à propriedade. Há uma sensível diferença nas justificativas. A primeira está presa ao regulador externo; a segunda, movida pelo querer interno.
Estamos diante de duas tendências morais do ser humano. A heteronomia implica acatar a regra por motivos externos a ela – como o medo da autoridade e da punição. A autonomia acata a regra por compreender e legitimar o princípio que a sustenta.
É evidente que nós, educadores, desejamos que nossos alunos sejam movidos pela autonomia! Mas como a criança se torna autônoma?
Piaget, em sua obra “O Juízo Moral na Criança” (Editora Summus), explica que a criança passa a conhecer o que deve ou não ser feito a partir das relações estabelecidas com o meio social. É assim que elas aprendem o certo e o errado, o bem e o mal.
Explicando melhor: quem apresenta as primeiras regras para as crianças são os adultos que convivem mais sistematicamente com elas. Os pequenos obedecem às normas devido aos sentimentos que nutre pela pessoa que as dita e agem de acordo com o esperado para agradar a figura de autoridade que admiram (ou temem). Ocorre, portanto, uma relação de coação em que prevalece o respeito unilateral. Pensem no tamanho da responsabilidade de quem se torna essa figura na vida da criança: pais, avós, irmãos mais velhos e nós, professores!
A criança age por pura coação dos mais velhos até que tenha condições cognitivas para se colocar no lugar do outro. Na ausência da autoridade, novas investidas sobre o proibido são feitas. Todos nós passamos pela etapa da heteronomia em nosso desenvolvimento moral. E até hoje, em muitas situações, continuamos a respeitar a autoridade e não a regra! Quando a fonte da regra não está presente, fazemos ou falamos o que não é permitido. Quer dois exemplos disso? Falar ao celular dirigindo quando não há a presença de policiamento e dirigir acima da velocidade permitida quando não há radar.
O que fazer na prática?Se almejamos a autonomia de nossos alunos, é bom pensarmos em como são nossas relações com eles e também com o conhecimento. Se usarmos mais a coação (ameaças e punições), apresentando os conteúdos somente pelo verbalismo, informando o que deve ou não ser feito, acabaremos ancorando nossos alunos na heteronomia. Ou seja, eles dificilmente conseguirão tomar boas decisões sem a influência do olhar externo.
Assim como, se optarmos pelos castigos ou prêmios como ferramentas necessárias para bons comportamentos, o respeito unilateral não evoluirá para o respeito mútuo. Quando isso acontece, a pessoa é incapaz de se colocar no lugar do outro e não regula seus impulsos em função de um compromisso consigo e com o outro, agindo apenas de acordo com os “freios morais” externos.
Por outro lado, para que nosso aluno se torne cada vez mais autônomo – agindo sempre em função de princípios e não do contexto –, nossa defesa deve ser por um ambiente cooperativo em que sejam garantidas as trocas de pontos de vista e o exercício do respeito mútuo em todas as relações – seja com a autoridade ou com os pares. Convenhamos, não é tão simples na prática. Ainda mais porque tendemos a reproduzir a forma mais autoritária pela qual fomos tratados por nossos pais e professores.
De que forma, então, podemos fazer isso? Existem atividades que podem favorecer a autonomia? Como trabalhar isso, de fato, na escola? Primeiramente tendo a clareza de que o diálogo e a reciprocidade são princípios que devem estar presentes em todas as práticas.
Sabemos que na Educação não há receitas, justamente por se tratar de um trabalho que envolve diferentes contextos e seres humanos em constante construção e transformação. Porém, podemos compartilhar experiências bem sucedidas, e é isso o que eu pretendo com vocês. Longe de ser um trabalho perfeito e acabado, trata-se de um relato de como se deu, naquela realidade escolar, o processo de transformação de uma proposta curricular que busca respeitar o ser humano em sua totalidade.
Minha sugestão é que retomemos sempre nosso objetivo maior: formar alunos autônomos. Também é importante buscar coerência em nossa prática para concretizar o que almejamos. Um desafio diário!
E vocês, colegas? O que pensam sobre o assunto? Deixem seu comentário. Queremos muito conhecer sua opinião. Afinal, esse é um espaço para trocas.
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