“Infância na roça”: partindo das experiências dos alunos, de fato.
Muito se fala, na EJA, em usar as experiências dos alunos para promover o aprendizado.
No entanto, sabemos o quanto é difícil realmente colocar isso em prática. Nós, professores, temos uma lista de conteúdos que pretendemos que os estudantes aprendam e é muito difícil fazê-la coincidir com as experiências e objetivos deles. Muitas vezes, nos vemos conduzindo atividades que são do nosso interesse, mas não dos alunos; quando isso acontece, na melhor das hipóteses, eles “fazem por fazer”, “fazem porque o professor pede”, mas não porque consideram importante. O resultado são aulas burocráticas, desanimadas e pouco produtivas.
Compartilho aqui uma proposta que valorizou a experiência dos alunos e conseguiu atingir objetivos de aprendizagem muitíssimo relevantes: o trabalho de Ana Cristina Campos e Paula Takada, educadoras do Projeto Tempo Certo, em São Paulo, SP.
Ana Cristina e Paula partiram das lembranças que os alunos tinham dos brinquedos de sua infância para produzir um livro de histórias. O público-alvo desse livro seriam as crianças da creche que funciona no mesmo espaço em que a turma da EJA. Contar como a sua infância, na zona rural, transcorreu de forma diferente da desses pequenos, moradores da maior cidade do Brasil, foi uma grande motivação e os estudantes se envolveram totalmente.
Por se tratar de uma turma de alfabetização, as professoras tiveram a intenção de desenvolver habilidades de leitura e escrita durante todo o processo. Assim, os alunos leram contos de outros autores, rememoraram suas infâncias juntos em rodas de conversa, escreveram e reescreveram suas histórias. Até o título do livro foi assunto de bastante debate: “Infância na Roça”.
Um ponto que considero muito interessante nesse projeto é a desmistificação da ideia de que ser escritor é um dom, e que os bons escritores produzem sempre textos geniais logo na primeira versão. Ficou claro para os alunos que escrever é um processo trabalhoso, que requer análises, correções, revisões, reescritas, até que se chegue a um texto satisfatório.
Outro aspecto importante: a preocupação com todo o processo e não apenas com o produto. É claro que a perspectiva de fazer um livro motiva e impulsiona os alunos. Mas os professores devem ter a clareza de que o produto é uma consequência do trabalho desenvolvido e, portanto, vale a pena dar sentido para todas as etapas, não apenas para o resultado final. Ana Cristina e Paula enfatizaram bastante esse aspecto, chamando a atenção dos estudantes para os avanços e dificuldades que estavam tendo enquanto produziam o livro.
Acima de tudo, o trabalho “Infância na Roça” reforça que a memória dos alunos pode ser explorada como um grande recurso nas aulas da EJA. A variedade de experiências deles é imensa, o que tornam também imensas as possibilidades de trabalho.
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