sexta-feira, 9 de maio de 2014

Como utilizar exemplos de atitudes machistas para ajudar na construção da identidade das meninas?

A Marcha das vadias, realizada desde 2011 em várias cidades do mundo, é um bom exemplo de como a apropriação de um termo preconceituoso pode ajudar a combater a discriminação. (Foto: Marcha das Vadias, Porto Alegre, 2013 – Crédito: Ricardo Frantz – CC)
Recentemente, num encontro com adolescentes, uma garota me contou que seu namorado pedia para que ela abandonasse o colégio por estar com ciúmes de suas amizades na escola.
O que fazer diante de uma situação tão absurda como essa?
Não consegui, num primeiro momento, disfarçar minha indignação e tristeza ao ouvir uma coisa dessas em pleno século 21. Mas aí me dei conta do meu papel como educadora, respirei fundo e resolvi contar para eles um pouco da história da mulher, o quanto lutamos por nossos direitos de estudar, de desenvolver uma carreira profissional, de conquistar nossa autonomia econômica e pessoal, de fazer sexo com quem e quando bem entendemos, e assim por diante.
Ao falar sobre essas questões não pude deixar de usar o termo feminismo. E foi aí que percebi o quanto a percepção dos alunos a esse respeito é incompleta e, muitas vezes, até equivocada. Então, procurei contextualizar um pouco a luta pela emancipação feminina e, consequentemente, o surgimento do movimento feminista.
feminismo  surgiu como um movimento político em 1848 na convenção dos direitos da mulher em Nova York com o objetivo  de conquistar a igualdade de direitos entre homens e mulheres. A partir daí, o movimento foi ganhando os contornos de uma luta política permanente, com diferentes correntes teóricas que buscam combater a desigualdade entre gêneros, mostrando que ela foi construída de acordo com os interesses sociais e econômicos de cada sociedade.
Depois deste breve parênteses, voltei ao problema trazido pela garota contando um pouco da minha experiência familiar para mostrar para a turma que os direitos que temos hoje não eram levados em conta até bem pouco tempo, como no caso de minha mãe, Lenita.
Mesmo sendo uma mulher muito estudiosa, ela foi impedida de realizar seu sonho profissional – ser médica – porque, em Maceió, onde ela morava, ainda não havia faculdade de medicina. Para poder estudar, ela teria que ir para Salvador, e isso nem pensar! Uma moça de família só podia sair de casa se fosse para casar!
Estudar, formar-se, ganhar dinheiro e fazer escolhas era coisa de homem. Mulher tinha que ser dependente, submissa, inocente, e confiar no homem acima de qualquer coisa.
Mas, e hoje, as coisas ainda funcionam dessa forma?
A resposta é, definitivamente, não!
A garota pode decidir sobre o que é melhor para sua vida e realizar seus sonhos. O mundo mudou bastante e a nossa realidade é outra, muito distante daquela que D. Lenita viveu.
Mas, quando a questão é amor e sexo,  o comportamento de algumas meninas parece, muitas vezes, ter parado no tempo. Por conta de uma intricada sobreposição de valores familiares, sociais e culturais, algumas  delas ainda podem achar que devem  ser submissas aos desejos do namorado.
Como a garota havia me questionado em público, pedi permissão para trabalhar sua pergunta com o grupo. Ela concordou e, em seguida, perguntei à turma se eles conheciam outros casos de relação a dois que exemplificassem atitudes submissas da garota e de poder do garoto? E qual era a opinião deles a respeito.
O debate foi lindo! Uma série de comportamentos vieram à tona e fomos questionando até que ponto cada uma das atitudes era motivada por machismo, medo ou insegurança por parte dos meninos e meninas.
Este conhecimento sobre a evolução dos costumes nas diferentes sociedades, a luta pela emancipação feminina, suas conquistas e os direitos e deveres de todos nós como cidadãos é muito importante para desmistificar crenças que muitas vezes estão na raiz dos problemas que levam à violência, à submissão e inclusive à dificuldade de negociação entre o casal de pontos relevantes para o seu bem-estar e saúde, como, por exemplo, a decisão sobre o uso da camisinha.
A sala de aula é um ambiente importante para a formação das identidades de gênero dos alunos. É imprescindível abordar temáticas como essa para que os alunos compreendam, reflitam e analisem dentro do seu grupo social a origem de certas condutas e como elas influenciam suas decisões de vida.
E você, como encaminharia uma questão como essa?
Nós, educadores, temos a oportunidade de estimular a reflexão dos jovens para construção de uma sociedade com menos preconceitos e discriminação. Para isso, é preciso acreditar que um olhar crítico e reflexivo sobre as questões do cotidiano pode ajudar a mudar a realidade de nossos alunos.

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