Alunos migrantes na EJA: o livro que me levou a uma reflexão profunda.
Assim como muitos professores, quando comecei a dar aulas na EJA, senti-me desorientado e pesquisei leituras que me apontassem caminhos. Um pouco pelas circunstâncias, um pouco por sorte, o primeiro livro que caiu em minhas mãos foi “Caminhando sobre fronteiras: o papel da educação na vida de adultos migrantes”, de Fernando Frochtengarten.
Fernando também é professor de Ciências e meu colega de trabalho. Quando o conheci, ele lecionava para as séries imediatamente anteriores às que eu acabava de assumir. Já havíamos conversado bastante a respeito das turmas e sobre sua experiência com os adultos. Sem dar detalhes, ele também contou que havia concluído há pouco tempo seu trabalho de doutorado na área de Psicologia Social.
Porém, o que ele não mencionou foi que havia acabado de publicar um livro com o conteúdo desse trabalho. E que, além de fazer reflexões profundas acerca dos estudantes adultos, o livro trazia entrevistas com nossos alunos. Provavelmente, eu iria ler o livro mais cedo ou mais tarde. Mas, aí entra a sorte: ganhei exatamente esse livro de presente de uma amiga professora!
Para mim, a leitura foi uma introdução excelente ao universo da Educação de Jovens e Adultos. O tema central é a transição dos alunos da vida rural para a vida urbana e, ao mesmo tempo, da condição de analfabetos ou pouco escolarizados para a de escolarizados. Fernando viajou até os locais de origem de alguns estudantes para compreender melhor essa passagem e o papel da escola nesse processo.
O livro analisa de forma rica e sensível o choque cultural decorrente dessas transições, a diferença de ritmos no campo e na cidade, o contraste entre o conhecimento popular e o escolar. Ao longo da leitura, sentimos o professor de Ciências sendo gradualmente envolvido pelo universo dos alunos e sendo transformado por ele. Eis uma pequena amostra:
“Em meio às férteis conversas com aquele tremedalense de nome Dilson, eu já tentara contrastar meus conhecimentos com aqueles que eram dos homens locais. A título de exemplo, contei que eu conhecia a importância da paina para a dispersão das sementes do algodoeiro, mas até o dia anterior jamais vira a sua colheita. Dando a impressão de que muito já pensar a esse respeito, ele deu seu parecer: ‘A gente aqui tem conhecimentos sem conhecimento’”.
Recheado de depoimentos de alunos, a obra tem uma leitura fácil e enriquecedora. Com ela, aprendi que o conhecimento popular e o acadêmico devem ser analisados criticamente, de forma a se completarem e jamais serem apresentados como opostos.
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