sexta-feira, 30 de maio de 2014

Como quebrar o silêncio dos alunos em casos de abuso sexual?

A abordagem aos alunos vítimas desse tipo de violência deve se apoiar no acolhimento, sigilo e encaminhamento do caso às autoridades. (Fotos: montagem – Shutterstock e Lucas Landau)
Durante um período de minha atividade profissional como educadora sexual, mantive no instituto em que trabalho um serviço de orientação sexual por telefone (saiba mais aqui). Certo dia, atendo a uma das ligações e, do outro lado, está um garoto profundamente triste, decepcionado e magoado com a postura de sua mãe.
Ele me contou que, por várias vezes, acordava no meio da noite com a sensação de estar sendo observado e percebia que sua mãe havia baixado seu pijama para olhar seu pênis. Segundo ele, ela o observava por um bom tempo e ele, constrangido e amedrontado, fingia continuar dormindo.
Esse garoto foi profundamente violentado, não fisicamente, mas de forma psicoemocional. Como imaginar que uma mãe seja capaz de uma atitude como essa? Como um garoto pode lidar com tamanho constrangimento?
Fiz questão de trazer este exemplo para desmistificar algumas ideias sobre abuso sexual e provocar uma reflexão sobre as formas de violência vividas por nossas crianças e adolescentes. Algumas dessas ideias equivocadas são preconceituosas, e podem contaminar a percepção do educador, fazendo com que ele não dê ouvidos a um aluno por confundir o relato de uma agressão com fantasias próprias da idade. Isso dificulta o enfrentamento da questão e a atenção às vítimas ao mesmo tempo que aumenta a vulnerabilidade da criança e encobre o agressor.
Principais mitos sobre o abuso sexual
- Meninos não sofrem abuso sexual;
- Quem abusa sexualmente é sempre o padrasto;
- Mulheres não cometem abuso sexual, muito menos mães;
- Crianças pequenas não sofrem abuso sexual;
- Casos de abuso sexual só ocorrem em classes sociais pobres.
O que pode ser considerado abuso sexual?
Qualquer forma de exposição da criança ou do adolescente a estímulos sexuais que ultrapassem os direitos humanos ou o respeito ao seu desenvolvimento físico, emocional e psicossexual pode ser considerado abuso sexual.
O abuso sexual ocorre quando uma pessoa subjuga outra por meio da violência, do abuso de poder, da autoridade ou da diferença de idade para obter prazer sexual. O abuso pode incluir carícias, manipulação dos órgãos genitais, voyeurismo, pornografia e atividade sexual com ou sem penetração vaginal, anal ou oral, com ou sem uso de violência.
As vítimas de abuso sexual se sentem aterrorizadas, confusas e muito temerosas e, não raro, têm muita dificuldade em contar para alguém que foram vítimas desse tipo de violência, mesmo para pessoas de sua completa confiança. Em geral, elas se calam por não quererem prejudicar o abusador ou provocar uma discórdia familiar. Ou pior: temem ser consideradas culpadas ou castigadas pelo agressor.
O bem-estar da criança ou do adolescente deve ser sempre a nossa prioridade. Portanto, a escuta ativa (quando se ouve de fato o que o outro diz), o acolhimento e a proteção do aluno são muito importantes. O professor pode ser, em muitos casos, o único adulto com quem ele ou ela podem contar.
Como conduzir uma conversa sobre casos de abuso?
Converse com o aluno num ambiente tranquilo e sem interrupções, incentivando-o a falar abertamente. Não emita opiniões ou faça julgamentos. Depois de ouvir todo o relato, manifeste seu apoio fazendo o aluno perceber que o que aconteceu não foi culpa dele. Esse fortalecimento é muito importante para ele conseguir falar sobre o incidente com a família e diminuir seu sofrimento emocional.
O próximo passo é entrar em contato com a família, mas, antes de fazer isso, pergunte ao aluno quais são as pessoas com quem ele aceita conversar sobre o assunto e chame esse familiar para ir à escola.  Como esta não é uma conversa fácil, se você sentir necessidade, peça ajuda à equipe gestora ou o acompanhamento de uma psicóloga, caso a escola tenha acesso a esse profissional. Como disse no post anterior (confira aqui), às vezes, a reação do  familiar pode ser a de negar o ocorrido. Nesses casos, a decisão mais sábia é não criar conflito e encaminhar a questão diretamente às autoridades (veja no final deste post onde fazer a denúncia).
Assegure o sigilo absoluto em relação ao assunto dentro da escola. É fundamental respeitar a privacidade do aluno e respeitar o tempo dessa criança ou adolescente para que ele se sinta capaz de continuar na escola e interagir normalmente com seus colegas.
É importante também deixar claro para os alunos, durante o trabalho de Educação sexual, que o corpo é propriedade de cada indivíduo e que qualquer tentativa de contato indesejado ou exposição a situações em que o aluno sinta sua privacidade invadida deve ser rechaçada e comunicada para um adulto de confiança. E vale sempre lembrar que a escola é um lugar onde eles poderão encontrar pessoas de confiança.

quinta-feira, 29 de maio de 2014


Avaliação: professor dever ter coerência e olhar para todo o processo

Alunos da professora Dulcemar Therezo Esteves Martins, da CEMEJA Professor Dr. Andre Franco Montoro, em atividade.
Alunos realizam atividades na CEMEJA Professor Dr. Andre Franco Montoro
Um tema que nunca sai da pauta de discussões de uma escola é avaliação. Como saber se os alunos aprenderam o que foi ensinado? Qual o melhor instrumento para isso? Na EJA não é diferente.
Essa é uma discussão complexa. Não pretendo fazer aqui um tratado teórico e aprofundado, mas sim discutir dois pontos que acho essenciais para quem está no dia a dia da sala de aula.
O primeiro é a coerência. Colocando de uma maneira bem simples: não podemos avaliar o que não ensinamos. Isso parece óbvio, porém, ao analisar avaliações minhas e de alguns colegas, percebo que é muito comum escorregarmos nesse ponto.
Vamos imaginar a seguinte situação: um professor dá uma aula expositiva sobre a água, explicando sua fórmula química e suas propriedades. Na avaliação, que é feita na forma de uma prova escrita, o professor dá um texto sobre falta de água e propõe questões que exigem leitura e interpretação.
Reparem na incoerência: ensina termos e conceitos, avalia interpretação de texto. Apesar de estar tratando do mesmo assunto geral (nesse exemplo, água), existe uma discrepância muito grande entre o que esse professor ensina e o que avalia. Não seria estranho se os alunos tivessem mau desempenho, pois na realidade não foram ensinados!
Só porque o mesmo assunto geral foi tratado na aula e na avaliação não é garantia de que exista coerência. É preciso que a abordagem nesses dois momentos seja semelhante para que exista coerência. Por exemplo: se o professor aborda interpretação de textos na aula, deve haver interpretação de textos na sua avaliação.
Esse é só um exemplo de algo que vejo acontecer muito e contra o qual tenho de me policiar cotidianamente para não fazer também.
O segundo aspecto que julgo importante é encarar a avaliação como processo. Acho que o modelo de dar aulas durante o bimestre todo e fazer uma prova final como única forma de avaliação informa pouco sobre o desenvolvimento dos alunos. Muitos educadores sentem-se desconfortáveis com esse modelo, pois existe apenas um momento em que se olha para o desempenho dos estudantes. Nesse modelo, não é possível comparar o conhecimento dos estudantes antes e depois da intervenção do professor.
Muito mais adequado seria avaliar várias vezes o aluno ao longo das aulas. A meu ver, o professor deve criar situações para que os alunos executem a mesma tarefa mais de uma vez em contextos semelhantes (porém não idênticos) e observar como evoluem ao longo do tempo.
Nas turmas de EJA (onde sempre temos pouco tempo), isso significa avaliar duas ou três vezes os alunos num mesmo tipo de atividade. Um exemplo da área de Ciências: se a sua intenção é avaliar se os alunos encontram informações em um texto, você pode pedir que eles realizem essa tarefa em um texto sobre água, em outro sobre solo e em outro sobre ar. Analisando o desempenho dos alunos em cada momento, você pode planejar suas intervenções e verificar se, ao fim do processo, eles estão de fato realizando melhor a tarefa ou se serão necessárias outras intervenções.É claro que, dentro dessa visão, avaliação não é sinônimo de prova escrita. Existem muitas formas de avaliar. A tabela que acompanha esta matéria sobre avaliação no site NOVA ESCOLA é um bom começo para pensar sobre o assunto.
Na EJA existem muitos alunos com alfabetização recente e pouca familiaridade com a escrita. Por isso, é interessante averiguar a aprendizagem de conteúdos específicos das áreas (Geografia, História, Ciências) com modalidades de avaliação que dependam menos da escrita. Dessa forma, podemos separar quem não sabe determinado conteúdo de quem não sabe escrever sobre esse conteúdo.

quarta-feira, 28 de maio de 2014


Quando a formação não impacta na prática

Leninha Ruiz faz formação com professores da EMEI Maria Alice Pasquarelli. (Foto: Gabriela Portilho)
Leninha Ruiz faz formação com professores da EMEI Maria Alice Pasquarelli. (Foto: Gabriela Portilho)
Recentemente, assumi um projeto de formação de educadores num espaço diferente da escola, na Instituição Beneficente. O lugar fica numa comunidade de baixo poder aquisitivo e muitos problemas sociais. A ideia surgiu após os gestores da instituição notarem que muitas crianças de 9 a 12 anos tinham dificuldades na leitura e na escrita. Por isso, acharam necessário dar subsídios às educadoras para que elas realizassem uma série de atividades focadas na alfabetização com crianças de 5 a 12 anos no período contrário da escola.
A solicitação dos gestores foi para que eu fizesse reuniões de formação durante quatro meses. Achei a proposta bem tranquila, já que alfabetização é um conteúdo que estudo bastante e, além disso, o grupo com o qual eu trabalharia era pequeno – apenas quatro educadoras. Ledo engano… Está sendo um desafio e tanto!
Diagnóstico dos saberes das educadoras
Para começar, elaborei uma situação-problema para que as professoras explicitassem seus saberes acerca dos processos de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita. Solicitei que escrevessem  que atividades realizariam se tivessem que assumir uma turma para alfabetizar. Duas delas – as que já tinham atuado em sala de aula – conheciam as fases e hipóteses de escrita. As outras duas, no entanto, não conheciam – elas cursavam Pedagogia e só tinham experiência como cuidadoras de crianças.
Assistimos às gravações de professoras propondo situações de leitura e escrita. Explicitei a diferença entre fazer um diagnóstico e realizar uma situação de aprendizagem. Pedi que, nas duas semanas seguintes, elas fizessem o mapeamento dos saberes das crianças com as turmas delas. Assim, poderíamos planejar como encaminharíamos o projeto. As quatro educadoras se mostraram interessadas e toparam a ideia.Diante disso, preparei os dois primeiros encontros com o foco em como é importante valorizar o que as crianças já sabem e como fazer um diagnóstico do que conhecem sobre a escrita. Lembro que seria um conteúdo totalmente novo para duas pessoas, portanto, me preocupei em mostrar alguns vídeos que explicam como a criança constrói suas hipóteses de escrita. Um dos que utilizei foi o “Construção da escrita – primeiros passos”, do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa).
O conteúdo da formação aplicado na prática
Passadas as duas semanas, as professoras haviam feito apenas alguns diagnósticos. No entanto, nenhuma delas pediu para as crianças interpretar o que escreveram e duas delas chegaram a usar uma atividade retirada da internet em que os pequenos tinham que escrever o nome e apontar quais eram as vogais e quais eram as consoantes, uma proposta totalmente equivocada segundo a concepção de aprendizagem que procurei explicitar nas formações. Fiquei estarrecida, porque, aparentemente, a minha formação não havia atingido o objetivo de transformar a prática delas! Me perguntei onde eu havia errado e por que elas não faziam os diagnósticos conforme tínhamos planejado.
Depois disso, retomei os conteúdos da formação e preparei mais encontros utilizando a tematização da prática de boas situações de leitura e escrita. Também incluí na formação o acompanhamento de alguns momentos de atividades com as crianças.
Acompanhamento da prática
Só quando vi a prática das educadoras me dei conta do que estava acontecendo. Até então, elas podiam planejar livremente o que fazer com as crianças e optavam por fazer atividades tais como ler histórias, propor que cada criança escolhesse um livro para ler ou brincadeiras e produções artísticas para fazer e realizasse algumas experiências culinárias. Elas não se sentiam capazes e responsáveis por ajudar as crianças a ler e escrever. Na visão delas, isso seria um reforço escolar e não era seu papel.
Bem, com essa nova perspectiva, solicitei uma reunião com os gestores para combinar o que poderíamos fazer para que as educadoras se sentissem capazes e responsáveis pela inserção das crianças no mundo da leitura e escrita.

terça-feira, 27 de maio de 2014


Segurança sob medida: como evitar a violência na escola, da escola e à escola?


Um fato que nos chama a atenção quando tratamos da segurança escolar é perceber que a escola foi, durante muito tempo, um espaço seguro e sagrado, imune e imaculado de todo e qualquer tipo de violência vinda de fora. Um grande questionamento feito por pais e educadores é: como e por que isso se perdeu?
É impossível falar sobre segurança nas escolas sem antes pensar nas origens da chamadaviolência escolar. E pensar sobre isso implica considerar, no mínimo, dois contextos distintos: o extramuros, em que a violência vem de fora, e o intramuros, que se refere aos casos que ocorrem dentro da instituição.
Quando ela vem de fora, na maioria das vezes, trata-se de um tipo de violência que reflete as desavenças e disputas que, na verdade, nada têm a ver com a instituição. A escola é frequentada por grupos que buscam acertar contas com desafetos ocorridos fora daquele lugar e, portanto, a os problemas, nesse caso, poderia acontecer em qualquer outro local.
Nesse contexto, há discussões acirradas quanto à utilização de equipamentos como câmeras externas, identificadores eletrônicos e catracas que, teoricamente, inibiriam ou impediriama violência. Há estudos que mostram o enorme interesse mercadológico em difundir a ideia de que somente blindando o local é possível afastar a violência. Além disso, evidentemente, nossas instituições, vocês sabem disso, sofrem forte pressão das famílias para garantir a segurança de seus filhos e protegê-los do mundo externo. Nada contra a aquisição, na medida do possível, de equipamentos que possam amenizar a preocupação dos educadores e das famílias com possíveis invasões. Mas podemos pensar também em outros caminhos e estreitar a relação da escola com seu entorno pode ser um deles.
Independentemente de pertencer a uma região de maior ou menor poder aquisitivo, a escola, como instituição social, deve (ou deveria) se aproximar da comunidade local: comerciantes, prestadores de serviços, vizinhos, lideranças comunitárias, etc. A proposta de conhecer e reconstruir a história da instituição e do bairro em que ela está é uma boa estratégia. Nessa direção, convidar representantes da comunidade para uma conversa com alunos é o início para a construção de uma relação de corresponsabilidades e de pertencimento. Há, certamente, nos depoimentos dos comerciantes e moradores mais antigos, uma riqueza cultural e de informações relevantes tanto para o trabalho pedagógico quanto para aprevenção da violência externa. Desde os alunos pequenos até os adolescentes, a oportunidade de conhecer e trabalhar questões referentes à realidade daquela comunidade enriquece as relações e favorece um trabalho em rede.
A experiência de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, é um bom exemplo do que estamos falando. A EMEF Campos Salles, com base em seguidos episódios de violência e ameças externas, construiu sua rede de proteção contando com a participação efetiva da comunidade. Houve intenso trabalho por parte da gestão e de todos da equipe em envolver os moradores daquela região no processo de Educação. Acertadamente, o gestor clareou para a comunidade que Educação não é responsabilidade somente da escola. O processo envolve outros setores, outros personagens. E o resultado foi um espaço sem muros ecuidado por todos os atores daquela comunidade. Não estou aqui defendendo que seja possível ou viável reproduzir na íntegra a experiência de Heliópolis. Porém estou afirmandoque estreitar as relações com o entorno, num processo dialógico e cooperativo, contribui para a prevenção da violência associada às invasões do mundo externo. Por exemplo, um simples telefonema do senhor Carlos, da padaria, compartilhando com a escola que alguns sujeitos estranhos à comunidade estão rondando a região, pode antecipar um evento inesperado. Ainda sobre a segurança necessária contra a violência externa, antes da exigência de investimentos financeiros por parte das escolas em equipamentos, há que se expandir a discussão acerca de políticas públicas nessa área. Mas essa já é outra discussão…
Outro tipo de violência também presente e motivo de grande preocupação é a violênciaintramuros. Ou seja: a violência da escola e à escola. Ambas relacionam-se entre si e também com o clima presente na instituição. A violência da escola é representada por atitudes muitas vezes arbitrárias e autoritárias que algumas instituições adotam. Simbolicamente, diz respeito às relações coercitivas estabelecidas pelos adultos/autoridades, bem como à imposição de regras que possam ferir o sentimento de justiça, necessário a um clima escolar favorável. Embora simbólica, trata-se de uma violência que, aos poucos, minatodo o processo de construção do conhecimento e de relações interpessoais saudáveis.
E, por último, há o tipo de violência à escola. Pensemos juntos: os atos intencionais dedepredação ao patrimônio ou de agressão aos profissionais da instituição permitem pensar na hipótese de que são manifestações negativas contra a instituição ou contra as pessoas que ali trabalham. E surge a pergunta: quais razões inspiram tamanha violência? Muitas vezes a resposta se encontra naquelas ações ligadas às arbitrariedades que ocorrem no espaço educacionalOu seja: há entre esses dois tipos de violência possíveis relações de causa e consequência. E aí? O que fazer para garantir a segurança de nossos alunos, professores, funcionários, enfim, de toda a escola? Continuaremos essa discussão na próxima semana e nosso foco será a segurança contra a violência da e à escola.

segunda-feira, 26 de maio de 2014


Como a prática na sala de aula inspira minha atuação como coordenadora


A partir da observação da minha prática como professora, aprimorei minhas ações e intervenções como coordenadora pedagógica. (Foto: Manuela Novais)
Com base na reflexão sobre minhas atividades como professora, aprimorei minhas ações e intervenções como coordenadora pedagógica (Fotos: Manuela Novais)
Educação de qualidade é uma busca constante das instituições de ensino. Entretanto, para que se torne realidade, são necessárias ações que sustentem um trabalho em equipe e uma gestão que priorize a formação docente. Nessa perspectiva, cabe a nós, coordenadores pedagógicos, ter sensibilidade para identificar quais são as principais necessidades dos professores e desenvolver um trabalho que vise à qualificação de suas práticas.
Como contei para vocês no texto da semana anterior, atuo como professora em uma escola e como coordenadora em outra. Quando assumi a coordenação – nessa época, eu já tinha alguns anos de experiência docente –, eu não queria desperdiçar o meu intenso processo formativo me tornando uma fiscalizadora das rotinas escolares, atividade que era comum ao antigo cargo de supervisor, substituído pelo de coordenador por volta da década de 1990. Muito pelo contrário, minha intenção era me tornar uma parceira dos professores, promovendo o crescimento do grupo com momentos de reflexão e de formação.
Para atingir esse objetivo, passei a observar a minha própria prática como professora. Ao fazer isso, compreendi o que os docentes realmente vivenciam em sala e, assim, aprimorei minhas ações e intervenções como coordenadora pedagógica.
Então, no meu papel de docente, procurei aplicar em classe tudo o que aprendi com meus colegas (professores e coordenadores)  durante as reuniões de formação na escola. Entre os conhecimentos, estão a organização da rotina, o planejamento e a realização de projetos, sequências didáticas e atividades habituais, a distribuição dos conteúdos, as intervenções, a relação com a família, entre outros.
E, para enriquecer minha atuação como coordenadora, com base na observação da minha sala de aula, levantei algumas questões que poderiam me ajudar a dar o suporte adequado aos professores:
  • Como o coordenador pode contribuir no planejamento da rotina, de atividades e de intervenções do professor?
  • Que ações contribuem de fato para o crescimento profissional do docente e o que burocratiza sua função?
  • O que o coordenador deve apresentar para os responsáveis pelas crianças numa reunião de pais de maneira que eles compreendam o que a escola ensina e como os alunos aprendem?
  • Quais cuidados o coordenador deve ter para não ser visto como um fiscalizador de práticas, mas um parceiro?
  • Como analisar o trabalho do professor sem expor sua prática? Como transformar o resultado dessa análise em processo formativo?
Hoje, vejo a pessoa que ocupa o cargo de coordenação como alguém que acompanha a dinâmica das aulas dos professores e o desempenho dos alunos. Para fazer isso, ela orienta a metodologia de ensino, investe em formações que suprem as principais necessidades dos docentes e informa a comunidade sobre os feitos da escola.
Por esse prisma, o coordenador não é mais aquele sujeito que possui um “superpoder” de assessorar, acompanhar, controlar e avaliar o trabalho docente, mas aquele que constrói com os professores o seu trabalho diário. Seu papel envolve uma atuação em grupo e, dessa maneira, exige o exercício constante de pensar, descobrir e saber o modo de avançar nas ações. Atuando em sala consigo enxergar melhor esse papel e assim de fato ser parceira dos professores que coordeno. Tento identificar seus saberes, suas inquietações e suas aprendizagens e necessidades, tudo isso  com base no contato direto com a sala e com os materiais que produzem.  Pensar sobre a prática com base na prática é sempre produtivo e é  por isso que estamos aqui trocando ideias, não é mesmo?

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Abuso sexual: o que a escola pode fazer?

No dia 18 de maio, várias cidades do país promoveram uma série de atividades para lembrar o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Aproveito a data para tratar desse assunto tão importante e delicado aqui no blog também. E a pergunta inevitável é: O que a escola e os professores podem fazer para combater esse crime tão odioso?
O cotidiano escolar geralmente fortalece os vínculos dos alunos com o professor e faz dele, muitas vezes, o interlocutor preferencial quando a criança ou o adolescente sofre algum tipo abuso sexual. Mesmo quando o aluno não conta nada, o professor geralmente percebe alterações no comportamento que podem sinalizar que algo de muito errado está acontecendo.
Durante um curso sobre o papel do professor na Educação sexual, fui questionada por um professora que viveu uma situação assim. Ela me disse:
– A minha aluna de sete anos de idade estava sofrendo abuso sexual por parte de seu padrasto. Chamei a mãe para conversar, e ela se manteve fria durante meu relato, tendo a cara de pau de me dizer: “Não é possível! Ele é um homem trabalhador, colocou a gente dentro da casa dele, não bebe, bota comida dentro de casa… No fundo ele é um homem bom, só tem esse pequeno defeito”. Eu fiquei chocada e não me contive. Disse coisas muito duras a essa mulher e ameacei denunciá-los à polícia se ela não tomasse uma providência. Sabe o que ela fez? Tirou a menina da escola. O que a gente pode fazer em casos como esse? Como proceder diante do abuso sexual?
Não podemos nos calar ou fingir que o problema não é nosso, encobrindo as situações de abuso e exploração contra crianças. Mas isso precisa ser feito com alguns cuidados para não perder a pessoa mais importante para a segurança da criança, a mãe ou responsável direto.
Nesse caso em específico, a professora criou um confronto com a mãe da menina, e isso é tudo o que precisamos evitar. Sei que é difícil ouvir o que essa mãe disse e ainda ser cordial e compreensiva com ela. Mas, em casos como esse, temos de nos manter frios e saber que a mãe tem um papel fundamental na vida da criança. Precisamos ter muito tato e visão estratégica para sensibilizar a mãe, para que ela fique ao lado de seu filho ou filha.
Quando uma mãe recebe a notícia de que sua filha está sendo abusada sexualmente, uma das reações possíveis é a incredulidade e a negação. Essa postura tende a ser mais frequente em situações em que a família não tem garantido os direitos básicos de um cidadão, como ter onde morar, dormir ou o que comer, dependendo para isso do suspeito de agressão. Portanto, temos de agir com calma, ouvir o que essa professora ouviu e, mesmo assim, buscar a cumplicidade da mãe para garantir a segurança da filha, encorajando-a a dar um fim nessa situação e denunciar o agressor.
Em casos como esse, uma abordagem inteligente do professor seria inicialmente mostrar que entende a situação em que essa mãe se encontra e ressaltar que, ainda assim, a segurança da criança é fundamental. A partir daí, é preciso ajudar a mãe a pensar com quem a criança pode ficar para evitar o contato com o agressor. Caso o comprometimento da mãe não aconteça, o caminho é seguir as recomendações dos órgãos competentes para realizar a denúncia, que pode ser feita de forma anônima.
A quem recorrer?
Em caso de suspeita de violência sexual, o Unicef Brasil recomenda acionar o Conselho Tutelar, a Vara da Infância e da Juventude ou as Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente e as Delegacias da Mulher. É possível ainda fazer denuncias anônimas pelo Disque 100. O serviço funciona diariamente das 8h às 22h, inclusive nos finais de semana e feriados. As denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de defesa e responsabilização, conforme a competência, em um prazo de 24 horas. A identidade do denunciante é mantida em absoluto sigilo.
Por fim, compartilho com vocês o vídeo de lançamento da campanha Brasil na Defesa da Infância, da ONG de direitos humanos Childhood Brasil, estrelado pelos craques do futebol Neymar e Daniel Alves (veja aqui).

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A Copa do Mundo já chegou
na nossa escola

Foto: Gabriela Portilho
Temas ligados ao evento foram incluídos no planejamento das aulas de Geografia e de várias outras disciplinas. Foto: Gabriela Portilho
Como o nosso país é sede da Copa do Mundo, a febre dos alunos pelo jogo de futebol aumentou estrondosamente nos últimos meses. Confesso que não havia pensado em desenvolver algo sobre o assunto. Estava focada nos demais projetos e sobrecarregada de afazeres burocráticos. Fui procurada pelo professor Giuliano, de Educação Física, que me trouxe ideias sobre como aproveitar esse momento nas várias áreas de conhecimento.
Havíamos recebido a edição nº 269 de NOVA ESCOLA (acesse aqui) com muitas dicas interessantes e a levamos para a reunião de equipe com o intuito de elaborar o Projeto Copa na Escola. Durante duas semanas, discutimos os prós e contras de incluir o tema em nosso planejamento. Ficou evidente a variedade de opiniões sobre o evento, estimuladas pelas ações populares conturbadas que vemos no noticiário. Nos propusemos, então, a trabalhar com os alunos a diversidade cultural que veremos após a chegada desses povos e pensar em como poderíamos recepcioná-los em nosso país. É como se estivéssemos recebendo uma visita em nossa casa, quando separamos as melhores louças e cozinhamos com capricho.
Nosso projeto começou no dia 28 de abril e seguirá até 11 de junho, pois no dia da abertura da Copa os alunos entram em férias. Planejamos um esquema de atividades por ano e por áreas de conhecimento que ficou assim organizado:
Educação Física (para todos os anos): exibição de vídeos sobre ética, companheirismo e o respeito à diversidade cultural, jogo de futebol com estudo das regras oficiais e confecção de painel com as datas dos jogos e de tabuleiros de dedobol.
Para os 1ºs anos:
  • Arte: trabalho com as obras do pintor Alfredo Volpi (1896-1988);
  • Língua Portuguesa: pesquisa de nomes dos jogadores brasileiros e confecção de bingo de nomes;
  • Matemática: análise da quantidade de jogadores e de times, e organização de uma tabela de preferência dos alunos pelos jogadores;
  • História: estudo sobre os anos em que o Brasil foi campeão;
  • Geografia: painel com bandeiras e nome de todos os países que participarão da Copa.
Para os 2ºs e 3ºs anos:
  • Arte: pesquisa sobre o fuleco, mascote da Copa, confecção de desenhos e atividades sobre o tema;
  • Língua Portuguesa: caça-palavras de países que participarão da competição e elaboração de painel com textos de curiosidades sobre essas nações;
  • Matemática: tabulação dos resultados das pesquisas realizadas e criação de tabela da Copa com datas e locais dos jogos;
  • Geografia e História: estudo sobre os países participantes, a cultura dos povos e roupas típicas.
Para os 4ºs e 5ºs anos:
  • Arte: criação de uma maquete de um estádio de futebol;
  • Língua Portuguesa: confecção de textos informativos para o painel de atividades e panfletos;
  • Matemática: resolução de situações-problema sobre vitórias e derrotas de times, criação de gráfico e tabela para acompanhar os resultados;
  • História: históricos das copas anteriores e das premiações da seleção brasileira;
  • Geografia: bandeiras de todos os países com localização e pesquisa sobre a Rússia, país-sede da próxima Copa;
  • Ciências: aulas sobre a alimentação saudável dos atletas e suas condições físicas.
Com tudo isso, entramos definitivamente no clima.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

      

Como formar professores leitores

Para incentivar os professores a ler mais, a coordenadora criou um clube do livro. A ideia é que cada um trouxesse de casa pelo menos um livro que já tinha lido e revezasse com os colegas. Foto: Gabriela Portilho
Para incentivar os professores a ler mais, a coordenadora criou um clube do livro. Foto: Gabriela Portilho
Ler é importante e isso ninguém mais discute! Já sabemos que as pessoas que leem frequentemente ampliam seus saberes e conhecem diferentes culturas e pontos de vista. Então, como pode um professor não gostar de ler?
Sempre fiquei muito intrigada com essa questão… Toda vez que a conversa na escola era sobre os livros que estávamos lendo por lazer, gosto e prazer, alguns professores diziam que gostariam de ler tanto quanto nós e perguntavam como arrumávamos tempo para fazer isso.
Certamente alguma coisa havia acontecido no percurso para que não reservassem uma parte do seu dia para mergulhar nas aventuras, suspenses e emoções que a literatura proporciona. Achei, então, que eu deveria fazer alguma coisa, afinal, professores leitores são ainda melhores nas suas práticas pedagógicas!
Reunião de formação
Planejei uma formação com o objetivo de influenciar os professores para que lessem mais. Eu já conhecia bem o grupo com o qual trabalhava e tinha o diagnóstico bem claro: sabia quem gostava de ler o quê, quem já havia sido leitor ativo e queria voltar a ler com frequência e quem precisava de um estímulo.
No primeiro encontro, levei vários livros e textos e organizei sobre a mesa com bilhetinhos.
Poesias para seu deleite: se emocione com Drummond, Cecília Meirelles e companhia! Esse bilhetinho foi acompanhado por quatro livros de poesia.
Crônicas para se divertir e rir muito! Além de um livro de crônicas da Martha Medeiros, levei também uma coletânea de textos do Walcyr Carrasco de quando ele escrevia na VEJA SÃO PAULO.
Contos de assombração: você vai ficar com medo! Utilizei alguns do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa), realizado pelo Ministério da Educação (MEC), e encontrei outros na internet.
A proposta era que cada um escolhesse alguns textos (eles não tinham mais de duas páginas) para ler e depois selecionasse um que tivesse gostado muito para compartilhar com o grupo.
Foi um momento bem descontraído, cultural e prazeroso. Os professores não queriam parar a leitura e, antes mesmo de pedir que compartilhassem com o grupo, já começou um alvoroço de professor querendo ler para o colega um trecho que o havia divertido ou emocionado.
Clube do Livro
Minha proposta final era que cada um trouxesse de casa pelo menos um livro que já tinha lido e gostado para fazermos um rodízio entre nós.
No mesmo dia, quando voltaram para dar aula no período da tarde, alguns professores já trouxeram os exemplares. Para organizar o empréstimo, elaborei uma ficha na qual faziam a recomendação literária (clique aqui para acessá-la) e anotavam quem pegou, em que dia e qual a data que deveria devolver.
O bacana foi que vários funcionários e estagiários também quiseram participar do Clube do Livro, fazendo com que alguns exemplares tivessem fila de espera.
Outra descoberta foi ver que algumas funcionárias cobiçavam poder ler os livros do canto de leitura das salas de aula, que elas observavam durante a limpeza do espaço. Não tive dúvidas: organizei uma caixa com vários livros de literatura infantil e deixei disponível para elas. Foi um sucesso! Na hora do almoço, sempre estavam lendo.

terça-feira, 20 de maio de 2014


Escola: lugar de meninos e meninas? Não! Espaço de pessoas

Certa vez, recebi em minha sala uma aluna de 6º ano recém-chegada de outra escola. Os professores me pediram informações da menina por não terem conseguido desenvolver nenhuma aproximação ou interação com ela. Depois de longos minutos de conversa acolhedora, perguntei por que ela teria saído da escola onde estudava desde a Educação Infantil. Ela respondeu: “Briguei com o professor de Educação Física e fui transferida”. Perguntei se gostaria de me contar a história, o que tinha acontecido… E aí ouvi o seguinte relato: “É que sempre tive a coxa gorda, sabe? Quando sento, tenho dificuldade de ficar com as pernas fechadas. Então, numa aula de Educação Física, sentada no chão com as pernas estendidas, sem que eu notasse, minhas pernas se separaram. Mesmo com professor falando ‘fecha as pernas!’, eu sem querer relaxava e elas abriam. Aí ele ficou nervoso e falou: ‘Tá parecendo uma putinha assim com as pernas abertas!’. Fiquei mais nervosa ainda e mandei ele para aquele lugar…”.
Chocante, não? E, claro, quando o caso chegou à direção pela versão do docente, a ênfase foi o desrespeito da aluna à autoridade do professor que só estava corrigindo sua postura. É evidente que a violência de gênero sofrida pela garota colocou em risco toda e qualquer possibilidade de ela confiar nos adultos daquela escola.
Mas o que é violência de gênero? Para iniciar nossa discussão de hoje, é necessário que tenhamos clareza de que sexo biológico e gênero não são sinônimos. O sexo – feminino ou masculino – é de caráter biológico e, portanto, definido até mesmo antes do nascimento. Já o gênero diz respeito à maneira de ser, de agir e de pensar da mulher e do homem, fortemente influenciada pelas relações sociais, pela cultura e pelo momento histórico vigente. Portanto, o gênero é outra construção social (assim como o tema que tratamos na semana passada).
Antes mesmo de conhecer a existência da palavra pessoa, o bebê aprende com as primeiras palavras que existe uma “mamãe” e um “papai” e, em seguida, que existem “meninas” e “meninos”. Isso porque nossa cultura prioriza o sexo para diferenciar as pessoas. Nessa direção, com o ingresso na escola, tanto meninas quanto meninos já conhecem sua identidade sexual e, ainda que superficialmente, qual o seu papel correspondente. E a escola, de maneira eficaz, acaba por colaborar para que o significado de ser menina e de ser menino seja devidamente compreendido. Na maioria das vezes esse esclarecimento é feito por mensagens subliminares, ou seja, por mensagens das quais não se tem consciência, mas que apresentam a vantagem de não demandar nem reflexão, nem justificativa. Assim, desde os primeiros anos da Educação Infantil, há por parte dos educadores certa reprodução da ideologia que sustenta não só as diferenças entre o universo masculino e feminino, como também as regras que orientam posturas, atitudes, sentimentos e suas manifestações, como no caso da aluna em questão.
Na hora dos brinquedos, por exemplo, para os meninos são oferecidas as bolas e os carrinhos, e para as meninas, as bonecas e as panelinhas. Ou seja, para os meninos as oportunidades são de exploração espacial, desenvolvimento motor e contato social mais intenso, e para as meninas a reprodução do papel de mãe, zelosa e doméstica. Além dos brinquedos, também há nas ilustrações que acompanham as histórias a reprodução dessa ideologia que coloca os homens em maior interação com a dinâmica da vida do que as mulheres. Aliás, lembremos, por exemplo, da maneira como os livros descrevem a história da humanidade. Há, claramente, uma ideologia androcêntrica (centra na figura do homem)! A começar pela convenção de usar o termo “homem(ns)” ao se referir às pessoas em geral, à humanidade. Não só esse termo, mas todos os outros que adotam o gênero masculino para abranger a totalidade: alunos, pais, operários, trabalhadores etc. Tanto na ficção quanto na vida real, há uma prevalência em descrever os heróis com ênfase em sua coragem, suas lutas e seu poder de dominação. E, de maneira polarizada, a figura feminina é descrita por sua fragilidade e seu sentimentalismo. Em suma, nos estereótipos construídos ao longo da história, os homens são fortes, corajosos, agressivos, ousados e insensíveis. Já as mulheres são frágeis, recatadas e indefesas.
violência de gêneros está por trás desses modelos e do fardo que se carrega em vivenciá-los, uma vez que não é dado ao homem o direito de expressar verdadeiramente seus sentimentos e, tampouco à mulher, o direito de ousar e dinamizar sua própria vida. Exagero? Claro que não! Mesmo com todos os avanços e conquistas sociais, as pesquisas comprovam, por exemplo, as diferenças salariais ainda presentes nos universos feminino e masculino. Percebam que a realidade do “macro” social é reforçada contínua e sistematicamente pela realidade do “micro” – no nosso caso específico, pela escola.
Não raro, ouvimos nas escolas frases como: “Menina senta de perna fechada”, “Meninos não choram”, “Fila dos meninos, fila das meninas”… O papel do coordenador/orientador é também o de analisar junto com os professores a qualidade do material didático, bem como das atividades propostas. Sugerir que, mesmo usando um material que reforce os estereótipos, os professores devem promover debates que possibilitem uma visão crítica dos papéis sociais desenvolvidos pelos homens e pelas mulheres. Devemos abrir espaços para que as diferenças de sexo necessariamente não impliquem as de gênero. Ou seja: tanto os homens choram, têm medos e inseguranças, quanto as mulheres são ativas, determinadas e corajosas. Podemos buscar, na realidade dos próprios alunos, exemplos concretos que inspirem uma transformação real nesse modelo de comportamento masculino e feminino prescrito pela sociedade.
Nossa postura, nossa linguagem e nossas ações refletem todo o sistema de pensamento coletivo e, consequentemente, transmitem modos de pensar, sentir e atuar na sociedade. Sem dúvida há na docência o predomínio do sexo feminino. Pois, então, educadoras, pensemos em estratégias que superem de fato a discriminação, o preconceito e a violência de gêneros, construindo junto aos nossos alunos a liberdade de simplesmente ser humano!

segunda-feira, 19 de maio de 2014


Prevenção da Aids: uma abordagem com os professores


Aula de Educação Sexual no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco. Foto: Eduardo Queiroga
Professores formadores e coordenadores pedagógicos, hoje eu gostaria de falar mais diretamente com vocês.
Há mais de 30 anos o mundo trava uma batalha contra a Aids. Esses esforços têm envolvido uma série de investimentos, que vão das pesquisas laboratoriais para o desenvolvimento de novos medicamentos e exames diagnósticos mais rápidos e eficientes ao trabalho de prevenção por meio de campanhas na mídia e da atuação dos professores em sala de aula.
O fator principal para trabalhar a prevenção da Aids na escola é a tomada de consciência de que esse não é um problema apenas dos mais jovens.
De acordo com o Boletim Epidemiológico HIV/Aids, produzido pelo Ministério da Saúde, de 2003 a 2012 as maiores taxas de diagnósticos da doença foram observadas em pessoas de 30 a 49 anos. Além disso, foi registrada também uma tendência de aumento nas taxas de detecção da doença entre jovens de 15 a 24 anos e adultos com 50 anos ou mais.
A leitura fria e objetiva dos números deixa claro que o HIV não tem nenhum tipo de preconceito. Ele infecta a todos independentemente de estado civil, sexo, idade, etnia ou condição social. Basta ter relações sexuais sem camisinha com uma pessoa infectada para se contaminar.
E como será que nós, adultos, estamos lidando com esse fato? Estamos sendo bons exemplos para nossos alunos? O que é preciso saber para fazer um trabalho efetivo de prevenção na escola? É isso o que você confere a seguir.
Como estruturar o trabalho de formação?
Na minha experiência como formadora de educadores, desenvolvi um roteiro de capacitação que tem ajudado os professores a desenvolver seus trabalhos de prevenção da Aids nas escolas.
1a etapa: Ampliar os conhecimentos sobre a doença
É importante que todos os professores tenham clareza sobre algumas informações básicas sobre a doença: o que é Aids, como ela se processa no corpo, qual seu agente causador, os meios de transmissão e as formas de prevenção.
Você pode acessar os posts sobre Aids já publicados aqui no blog para esclarecer algumas dessas questões com o grupo de professores durante as reuniões de formação. Confira aqui alguns deles:
Outra boa fonte de consulta é o portal do Ministério da Saúde totalmente voltado para o tema.www.aids.gov.br
2a etapa: Vamos falar de sexo
A relação sexual é a principal forma de transmissão da Aids. Então, debater questões relativas à sexualidade é fundamental para identificar situações de risco de contaminação a que os alunos possam ser submetidos. Para isso, é importante entender o que é sexualidade e como ela se desenvolve nas crianças e adolescente. Para uma abordagem inicial dessas questões, você pode utilizar alguns vídeos do Instituto Kaplan em que eu abordo diferentes aspectos da sexualidade para propor uma discussão com o grupo.
3a etapa: Conhecer as políticas de prevençãoAgora, junte seu conhecimento sobre Aids, sexo e sexualidade na adolescência, e conheça as políticas de prevenção desenvolvidas pelo Ministério da Saúde: os fatores de risco e proteção que são adotados, o conceito de vulnerabilidade, os serviços disponíveis e as principais formas de prevenção, diagnóstico e tratamento da Aids no Brasil. Muitas dessas informações estão disponíveis no portal aids.gov.br
4a etapa: Definição dos conteúdos
Baseado no conhecimento que você adquiriu sobre o tema e na realidade dos alunos, faça um levantamento coletivo e uma leitura crítica sobre os conteúdos que podem ser utilizados de forma interdisciplinar nas conversas com os alunos sobre prevenção. Nesse momento, é importante atentar para as diferenças cognitivas de cada faixa etária e encontrar a abordagem mais adequada a cada uma delas. Minhas sugestões de leitura para esse momento são: o PCN de Orientação Sexual, o Guia de Orientação Sexual – Diretrizes e Metodologia e o Projeto Quebra Tabu, do Instituto Kaplan
5a etapa: Planejamento das abordagensDefinidos os conteúdos, o próximo passo é aprender sobre metodologia participativa, pensar em abordagens e selecionar materiais apropriados para tratar os temas com seus alunos. Aqui no próprio blog você pode encontrar algumas sugestões de dinâmicas e jogos.
6a etapa: Avaliação
Esse é o momento de monitorar e avaliar se o trabalho está mobilizando os alunos e produzindo o resultado esperado.
Para esta aprendizagem e reflexão sobre a importância da avaliação do  trabalho de prevenção da Aids, indico um excelente artigo de Ricardo Ayres, professor de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP), voltado especificamente para essa questão (baixe o artigoaqui).

sexta-feira, 16 de maio de 2014


Três ferramentas para traduzir textos de PDF


Se você costuma navegar na internet em busca de livros ou artigos acadêmicos, já deve ter notado que boa parte dos materiais disponíveis para consulta online ou para download está em formato PDF, um padrão de arquivo aberto para troca de documentos eletrônicos. Até aí, tudo bem. Hoje há inúmeros leitores de PDF, tanto para computador como para celular e tablet. O problema é quando o texto está escrito em inglês ou em outro idioma que não dominamos.
Mas isso já não é mais motivo de preocupação. Saiba que existem alguns programas que traduzem arquivos de PDF para o português! Mas nem tudo é perfeito. Em geral, as versões gratuitas desses programas traduzem apenas um número pré-definido de páginas. Outro inconveniente está no fato de os tradutores contarem com bancos de dados limitados, não reconhecendo algumas palavras, além de não possuírem “conhecimento” linguístico para traduzir expressões idiomáticas ou figuras de linguagem. De todo modo, essas ferramentas podem lhe dar uma mãozinha com aquele artigo que você tem apenas meia hora para ler ou aquele texto que você só encontra em alemão.
Confira, a seguir, três boas opções:
Google tradutor 
Quando o serviço da gigante de tecnologia foi lançado, em 2006, o programa só traduzia idiomas árabes. Atualmente é possível verter textos para mais de 90 idiomas.
Plataformas: todas, com conexão de Internet.
Como funciona: você pode copiar o texto ou link direto para a caixa de texto, selecionar o idioma de origem do documento (no canto superior esquerdo da tela) e o idioma para tradução (à direita), e clicar em traduzir. Se o arquivo em PDF está salvo no seu computador, você pode utilizar a opção “traduza um documento”, localizada abaixo da caixa de diálogo. Depois de carregar o arquivo, o  texto traduzido é carregado em uma nova aba do navegador. Mas, atenção: o tradutor não suporta arquivos muito longos.
É bacana porque: não precisa ser instalado, podendo ser utilizado diretamente no navegador da internet.
Multilizer
Com uma interface simples e intuitiva, o programa traduz 27 idiomas e cria uma nova versão PDF, mantendo imagens, tabelas, planilhas e a diagramação do documento original.
Plataformas: Windows Vista, Windows 7 ou Windows 8 e conexão de Internet.
Como funciona: após baixar e instalar (disponível aqui), basta executar o programar, selecionar o arquivo a ser traduzido, escolher o idioma nativo e o de destino e clicar em “Iniciar Tradução Automática”.
É bacana porque: em sua versão gratuita, é possível traduzir arquivos de até 15 páginas. Em caso de arquivos maiores, pode-se pagar apenas pela tradução das páginas excedentes.
Free Language Translator
Baseado no mesmo sistema de tradução do Google, este programa traduz mais de 50 idiomas e suporta arquivos nos formatos DOC, PDF, TXT, HTML ou RTF.
Plataformas: Windows XP, Windows Vista, Windows 7 ou Windows 8 e conexão de Internet.
Como funciona: depois de instalar e executar o arquivo (disponível aqui) é só abrir o documento na janela do lado esquerdo do programa, indicar o idioma original do texto (no campo “from”) e para qual ele deve ser traduzido (no campo “to”) e clicar em “translate”. O texto traduzido aparecerá na janela do lado direito do programa.
É bacana porque: permite integrar dicionários digitais instalados em seu computador para uma tradução mais refinada.

quinta-feira, 15 de maio de 2014


Dicas para realizar atividades de estudo do meio na EJA

Foto: Elaine Skowronski
Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. | Foto: Elaine Skowronski
Já ouvi de muitos professores que realizar atividades fora da escola com alunos da EJA “é muito complicado”. De fato, pode ser difícil encontrar locais que sejam adequados e conciliar os horários dos alunos trabalhadores. Às vezes, as saídas exigem gastos extras da escola e dos estudantes, o que é sempre um complicador. Contudo, penso que essas dificuldades não devem nos impedir de organizar esse tipo de atividade.
Realizar um estudo do meio é uma oportunidade muito rica para aprender coisas novas edesenvolver novos olhares. Visitar um local com o objetivo de estudar muda nosso ponto de vista. Às vezes, passamos a notar detalhes com os quais cruzamos cotidianamente, mas que antes nem percebíamos. Além disso, essas atividades favorecem a socialização e a integração da turma, inclusive dos alunos com os professores, aumentando também a motivação para o trabalho em sala.
Entretanto, é importante saber que realizar um estudo do meio não significa visitar um museu importante ou fazer uma viagem de vários quilômetros. Muitas vezes, uma caminhada no entorno da escola pode ser fonte de inúmeros aprendizados, desde que bem pensada e orientada.
Vou dar um exemplo. Conheci um trabalho em que os alunos que usavam o trem para se deslocar da escola para casa foram reunidos em um grupo de estudo. Ao retornar para suas casas, eles tinham a tarefa de observar que características das estações auxiliavam ou atrapalhavam o acesso de pessoas com dificuldade de locomoção. Eles tiraram fotografias e fizeram anotações, que posteriormente foram apresentadas aos colegas na escola, gerando uma discussão bastante interessante sobre os meios de transporte na cidade. Uma viagem cotidiana transformou-se em material de estudo quando os alunos direcionaram seus olhares para uma questão específica; nesse caso, a acessibilidade.
Confira algumas dicas que podem ajudar o professor a planejar um estudo do meio bem sucedido com turmas de EJA:
Escolha com a turma uma data em que a maioria possa participar. Como grande parte dos alunos trabalha, muitas vezes até nos fins de semana, em geral é preciso avisar com antecedência para a turma se programar.
Defina um roteiro do que será observado. Sair sem um objetivo específico acaba sendo pouco produtivo e se torna apenas um passeio. Um roteiro direciona o olhar dos alunos, que passam a observar aspectos que não notariam.
Prepare os alunos antes da saída. É importante organizar a atividade em termos práticos, como, por exemplo, definindo o que é preciso levar (água, lanche, protetor solar, guarda-chuva, lápis e caderno, câmera fotográfica) e o cronograma do dia. Mas também é importante preparar os alunos para observar o que será o foco da saída. Converse sobre o que esperam encontrar, quais são os pontos a serem observados e qual a postura esperada deles.
Evite sobrecarregar os alunos com atividades durante a saída. Um estudo do meio pretende ser mais que um passeio, mas cuide para que seus alunos tenham a chance de simplesmente aproveitar o ambiente de fora da escola. Já estive em estudos do meio em que a quantidade de atividades deixava os alunos ocupados demais a ponto de não observarem por conta própria o ambiente onde estavam, eliminando a possibilidade de descobertas que os professores não previram.
É importante lembrar que existem muitos locais, como museus e centros culturais, que recebem turmas no período noturno (um exemplo em São Paulo é a Pinacoteca do Estado). Outra possibilidade é combinar um encontro diretamente no local a ser visitado, o que evita a necessidade de organizar transporte para toda a turma.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

A manipulação social do preconceito e da discriminação



“Estou trazendo minha filha pra essa escola porque onde ela estava sofria muita discriminação. É que além de negra, ela é gorda!”
Essa foi a fala de uma mãe para a supervisora pedagógica da escola que receberia a transferência da garota de 7º ano. Na minha cidade, a supervisora tem a função de orientar alunos, professores e famílias, assim como as orientadoras e coordenadoras pedagógicas. Essa supervisora em questão me enviou um e-mail a fim de pensarmos juntas sobre o fato. Compartilho com vocês nossas reflexões.
É interessante começar por entender claramente que a discriminação e o preconceito sãocriações sociais. Portanto, vale dizer que somos, no mínimo, corresponsáveis pelas mais diversas manifestações preconceituosas e discriminatórias presentes no cotidiano das escolas, uma vez que em pleno século 21 ainda testemunhamos cenas em que a intolerância étnica, religiosa ou estética se sobrepõe às relações. Pensando na fala da mãe – “além de negra, ela é gorda!” – parece que por trás da angústia de quem não suporta mais acompanhar o sofrimento da filha, há também certa concordância de que a aparência da garota justifica os maltratos. Essa concordância inconsciente de que algumas características pessoais provocam a discriminação tem atravessado décadas, séculos. Uma das hipóteses que tenho é de que a maneira como algumas escolas têm trabalhado o tema das diferenças, tem, na verdade, reforçado a ideia do preconceito. Ou seja: um trabalho na contramão dos próprios objetivos.
Conversando com a colega que me procurou, indaguei como ela estaria orientando sua equipe de professores quanto ao trabalho com a diversidade. Foi muito interessante perceber o quanto aquela pergunta gerou incômodo. Ela, de forma impulsiva, começou a listar todos os projetos e eventos que a escola promove para debater a diversidade e as diferenças. Com o intuito de conhecer mais detalhes daquele trabalho, insisti na pergunta: “Como você temorientado sua equipe para lidar com as diferenças?”. Porque, afinal de contas, a orientação pedagógica não deve ser um cargo da escola e sim uma função: a de auxiliar alunos, professores e famílias acerca não só das questões ligadas ao desempenho acadêmico dos estudantes, mas também sobre suas relações sociais. O objetivo sempre é o de entender as demandas de cada segmento, considerando as diferentes perspectivas. Voltando às tentativas da colega supervisora em organizar sua resposta, ela então, enfatiza que todo o trabalho era pautado na busca pela igualdade. A partir dessa afirmação, provoquei: “Que igualdade é essa? Igualdade em quê?”. Na verdade, meu propósito era gerar uma reflexão necessária não só para aquela educadora como para muitos outros que reproduzem uma falsa ideia de igualdade.
Em geral, o respeito e a tolerância com a diversidade e as diferenças têm sido a postura pedagogicamente recomendada. Entretanto, se o que se deseja é a igualdade de direitosentre as pessoas, não são suficientes os trabalhos pontuais, projetos de curta duração ou comemorações das datas em que se tenta resgatar, por exemplo, a dívida social que temos em relação aos negros.
O que muitas vezes não pensamos é que não há possibilidade de trabalhar o tema‘diferença’ sem, paralelamente, desenvolver uma proposta de construção da ‘identidade’, isto é, o espaço da identidade reservado para o reconhecimento de quem sou eu: “sou brasileira”, “sou branca”, “sou mulher”. A diferença, de certa forma, marca o que o outro é: “ela é nigeriana”, “ela é negra”, etc… A sociedade é composta por pessoas pertencentes a grupos étnico-raciais distintos e a Educação deve fortalecer a igualdade de direitos, reconhecendo e valorizando as diferentes culturas e histórias presentes em cada grupo. Nessa direção, há a necessidade de conectar os objetivos, as estratégias de ensino e as atividades com a experiência de vida dos alunos e professores. Devemos dar sentido para o conhecimento e criar oportunidades para que as diferenças sejam respeitadas. Essa conexão de diferentes culturas abre um valioso espaço para o desenvolvimento do pensamento crítico tão necessário para a compreensão de que o preconceito, a discriminação e outros inimigos da convivência são produções sociais necessárias para a manutenção das disparidades de poder.
Retomando nosso caso, a notícia que tive da colega supervisora foi que ao menos um dos professores que ela orienta adotou em suas aulas as práticas dialógicas e reflexivas. Além dos círculos de cultura (momento em que os alunos compartilham conhecimentos e experiências próprias), ele abriu espaço para que os estudantes colocassem o que lhes desperta interesse, e com base nisso fomentou o trabalho de pesquisa para responder às demandas dos alunos. Procurei esse docente para saber quais temas de interesse teriam surgido entre os estudantes. Além das curiosidades naturais sobre reprodução humana e sexo, ele me contou que a garota ‘negra e gorda’, num determinado dia, sentindo-se mais segura e acolhida, compartilhou com a sala todo o sofrimento vivido na antiga escola. Do depoimento da supervisora, mais um tema surgiu como interesse de pesquisa: por que existe a maldade? De onde ela vem? E claro que sugeri ao professor que acrescentasse a essas, outras perguntas: por que existe o preconceitoa discriminaçãoDe onde eles surgem?
Podemos concluir que a escola, antes de celebrar a diferença e a diversidade por meio de exposições e apresentações diversas, deve promover e incentivar os estudantes a questioná-las.
Como disparador do trabalho, fica a dica de levar para a sala de aula a música Ser Diferente é Normal, dos compositores Adilson Xavier e Vinícius Castro. E para seu aprofundamento no tema, vale conhecer o livro “Documentos de Identidade – Uma Introdução às Teorias do Currículo”, de Tomaz Tadeu da Silva (Editora Autêntica, 156 páginas).

terça-feira, 13 de maio de 2014


Alunos migrantes na EJA: o livro que me levou a uma reflexão profunda.

Edição de arte: Vilmar Oliveira
“Caminhando sobre fronteiras: o papel da educação na vida de adultos migrantes”, de Fernando Frochtengarten
Assim como muitos professores, quando comecei a dar aulas na EJA, senti-me desorientado e pesquisei leituras que me apontassem caminhos. Um pouco pelas circunstâncias, um pouco por sorte, o primeiro livro que caiu em minhas mãos foi “Caminhando sobre fronteiras: o papel da educação na vida de adultos migrantes”, de Fernando Frochtengarten.
Fernando também é professor de Ciências e meu colega de trabalho. Quando o conheci, ele lecionava para as séries imediatamente anteriores às que eu acabava de assumir. Já havíamos conversado bastante a respeito das turmas e sobre sua experiência com os adultos. Sem dar detalhes, ele também contou que havia concluído há pouco tempo seu trabalho de doutorado na área de Psicologia Social.
Porém, o que ele não mencionou foi que havia acabado de publicar um livro com o conteúdo desse trabalho. E que, além de fazer reflexões profundas acerca dos estudantes adultos, o livro trazia entrevistas com nossos alunos. Provavelmente, eu iria ler o livro mais cedo ou mais tarde. Mas, aí entra a sorte: ganhei exatamente esse livro de presente de uma amiga professora!
Para mim, a leitura foi uma introdução excelente ao universo da Educação de Jovens e Adultos. O tema central é a transição dos alunos da vida rural para a vida urbana e, ao mesmo tempo, da condição de analfabetos ou pouco escolarizados para a de escolarizados. Fernando viajou até os locais de origem de alguns estudantes para compreender melhor essa passagem e o papel da escola nesse processo.
O livro analisa de forma rica e sensível o choque cultural decorrente dessas transições, a diferença de ritmos no campo e na cidade, o contraste entre o conhecimento popular e o escolar.  Ao longo da leitura, sentimos o professor de Ciências sendo gradualmente envolvido pelo universo dos alunos e sendo transformado por ele. Eis uma pequena amostra:
Em meio às férteis conversas com aquele tremedalense de nome Dilson, eu já tentara contrastar meus conhecimentos com aqueles que eram dos homens locais. A título de exemplo, contei que eu conhecia a importância da paina para a dispersão das sementes do algodoeiro, mas até o dia anterior jamais vira a sua colheita. Dando a impressão de que muito já pensar a esse respeito, ele deu seu parecer: ‘A gente aqui tem conhecimentos sem conhecimento”.
Recheado de depoimentos de alunos, a obra tem uma leitura fácil e enriquecedora. Com ela, aprendi que o conhecimento popular e o acadêmico devem ser analisados criticamente, de forma a se completarem e jamais serem apresentados como opostos. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Cinco perguntas sobre a Copa do Mundo

Saiba com o que diretores e coordenadores devem se preocupar ao levar o tema para dentro da escola.


A Copa do Mundo começa no dia 12 de junho e o país inteiro está falando sobre esse assunto. Em casa, no trabalho e nas ruas, é comum escutar conversas sobre as nações que participarão do campeonato, os jogadores que reforçarão as seleções e as mudanças sociais e econômicas que o megaevento está gerando.
Diante de algo tão presente em nossa sociedade, será que a escola pode aproveitar o contexto para construir situações didáticas significativas? Muitos diretores e coordenadores estão refletindo sobre isso. Abaixo, selecionamos cinco dúvidas dos gestores e buscamos especialistas para respondê-las. Confira.

É possível deixar a Copa do Mundo fora da escola?
Não. Esse é um acontecimento de proporção internacional e, neste ano, está ainda mais próximo dos brasileiros por ser realizado no Brasil. As crianças e os adolescentes, expostos às notícias sobre o campeonato o tempo todo, comentam sobre os times e os jogos. Por isso, é muito difícil a escola desconsiderar o assunto completamente. Mas é importante refletir sobre a maneira como o tema será abordado. Em alguns locais, pode fazer sentido apenas tratar de maneira informal. E em outros ele pode ser articulado aos conteúdos. “O maior problema é forçar a barra e transformar a escola durante o evento, enchendo o espaço de bandeirinhas, por exemplo. A instituição deve continuar tratando dos seus objetivos de ensino e se manter dentro do currículo”, diz Débora Rana, formadora do Instituto Avisa Lá e coordenadora pedagógica da Escola Projeto Vida, em São Paulo.

O assunto precisa ser trabalhado o ano inteiro?
Não. A Copa do Mundo é um evento restrito a um período de tempo. Por isso, deve ser tratada como atividade ocasional. “Esse assunto tem começo, meio e fim neste semestre. Depois das férias, se o Brasil ganhou ou perdeu, o tema já se desgastou”, diz Dayse Gonçalves, selecionadora do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 e orientadora pedagógica de Educação Infantil da escola Carlitos, em São Paulo.

Que cuidados o diretor deve tomar?
Antes de tudo, ele deve garantir que a escola não pare por causa do evento. Segundo Maura Barbosa, consultora de GESTÃO ESCOLAR, é papel dele cuidar que todos os dias letivos previstos por lei aconteçam normalmente. “O diretor não deve fazer da Copa do Mundo um evento na escola e paralisar o cotidiano da instituição”, diz. Apesar de não deixar que o campeonato domine a escola, o gestor também não pode ignorá-lo. Ele pode conversar com a equipe gestora e com os docente sobre o que pretendem fazer e por quê. “Junto com o coordenador e com os professores, o diretor pode elaborar, por exemplo, murais de informação com curiosidades sobre os jogadores que as crianças mais conhecem, quais são as capitais que sediarão os jogos, quais são os países que participarão, etc.”, diz Maura.

Quais devem ser as principais preocupações do coordenador pedagógico?
Ele precisa ajudar os professores a planejar atividades que contribuam com o processo de aprendizagem. “O coordenador deve perguntar para os docentes se eles pretendem levar essa temática para a sala de aula e como. Talvez alguns professores nem pensem em tocar no assunto e outros abordem de maneira informal”, diz Dayse. O papel do coordenador, portanto, é discutir a intencionalidade das ações propostas em sala. “O planejamento precisa ser feito para garantir que as atividades tenham sentido, se relacionem com os conteúdos curriculares e colaborem para que os alunos ampliem seus conhecimentos”, acrescenta Maura.

De que forma a temática Copa do Mundo pode entrar na sala de aula?
Essa resposta depende da faixa etária dos alunos e dos conteúdos que estão previstos no planejamento de cada turma. “O maior desafio é incluir o assunto no currículo e descobrir de que maneira essa temática se relaciona às diferentes disciplinas”, lembra Dayse. Se um professor estiver trabalhando o gênero notícia, por exemplo, pode desenvolver um projeto de leitura que convide os alunos a acompanhar os acontecimentos ligados ao campeonato.