quinta-feira, 20 de março de 2014

Como lidar com convicções religiosas no trabalho de Educação sexual?

Hoje vamos conversar sobre um dos temas mais polêmicos presentes na escola: a interferência de doutrinas religiosas no trabalho de Educação sexual.
Não houve uma só vez que eu tenha realizado um treinamento com professores que não tenham surgido perguntas do tipo: “se o aluno disser que a religião dele não permite o uso da camisinha?”. Ou que os próprios professorem tenham dito que sua religião não apoia relações sexuais entre adolescentes, que o relacionamento homossexual é uma doença; a masturbação é um pecado e o prazer sexual condenável.
Os progressos científico, político e econômico transformaram os costumes, desmistificando crenças e quebrando tabus. Hoje as pessoas reconhecem que podem obter satisfação sexual com direito a escolha de ter ou não um filho. Elas podem desfrutar de sua vida sexual independentemente do sexo, gênero, orientação sexual, idade, raça, classe social ou deficiências mentais ou físicas, e sem colocar sua saúde em risco.
Algumas religiões, no entanto, ainda mantêm uma linha moral restritiva nas questões da sexualidade, principalmente em relação a qualquer atividade sexual que fuja do propósito da reprodução como, por exemplo, o sexo antes do casamento, o uso de anticoncepcionais e a masturbação. Quando não é possível atendê-la, muitos desobedientes ainda sofrem, sentindo o peso da condenação do pecado ou da discriminação social e religiosa.
Nem sempre ganhamos
Outro dia recebi um telefonema do diretor de uma escola religiosa. Ele tinha sido questionado por alguns alunos sobre a possiblidade de implantar em sua escola um dos projetos de maior sucesso do local onde trabalho, o Instituto Kaplan, sobre a prevenção à gravidez na adolescência, chamado de Vale Sonhar.
Depois que expliquei seu funcionamento e os conteúdos das oficinas, ele me perguntou:
- Por que, em vez de trabalhar com a possibilidade  de relacionamento sexual, vocês não estimulam a abstinência sexual na adolescência?
Respondi que a abstinência sexual não é um método de prevenção, mas sim  uma filosofia de vida ou um ensinamento religioso. Como educadora sexual, não posso apostar na fé. Tenho que trabalhar com fatos e conhecimentos científicos que preparem nossos jovens para conviver com a realidade social e a liberdade sexual presente nos dias de hoje.
Tentei mostrar para ele que o nosso papel não é estimular o sexo e que tampouco temos o poder de proibir a relação sexual. Nosso papel é promover a aprendizagem necessária para quando isso acontecer, eles saibam agir com responsabilidade, evitando a gravidez na adolescência.
Ele não gostou da minha resposta. Paciência.
Eu, como educadora sexual,  entendo os princípios da religião que o faz discordar de uma das mais importantes funções da educação sexual e, infelizmente, só posso lamentar por seus alunos.
Nem sempre perdemos
Em outro momento, apresentamos esse mesmo projeto para outra escola e um pai religioso me questionou o porquê de ensinar sobre a prevenção da gravidez para garotas de 13 anos que, segundo ele, nem pensavam em sexo?
Apresentei como resposta o índice de gravidez para meninas entre 10 e 19 anos no município em questão, segundo pesquisa do Datasus , do Ministério da Saúde.
Ele ficou perplexo ao ver os números e se tornou um porta-voz do projeto para os demais pais, entendendo as necessidades individuais e sociais da juventude no que diz respeito à sexualidade e à saúde sexual e reprodutiva. Contra fatos não há argumentos!
Mas o que podemos fazer? Nós não conseguimos mudar os princípios e dogmas sexuais das religiões, mas podemos e devemos argumentar com as pessoas, apoiados em informações com credibilidade. Se for necessário, para não se criar um embate em público, respeite as opiniões dadas e convide a pessoa para um conversa em particular, na qual você poderá obter mais informações sobre suas objeções e tentar argumentar de forma a vencer os receios ou a desinformação que possa estar influenciando determinada posição.
Não se deixem abater por um NÃO em detrimento de tantos alunos que precisam de um trabalho consistente para equilibrar as relações de gênero, respeitar a diversidade sexual e fazer a prevenção das DST/Aids e da gravidez na adolescência.
Para finalizar, gostaria de fazer um convite a todos os professores: o Instituto Kaplan realizará em São Paulo, nos dias 15 e 16 de maio, um curso de capacitação para educadores interessados em aprender a metodologia do projeto Vale Sonhar, que vem reduzindo em torno de 30% ao ano os casos gravidez nas escolas de Ensino Médio da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo. Você pode encontrar mais informações sobre curso no site do instituto.
E você, professor, já teve que lidar com alguma restrição em atividades de Educação sexual por conta de preceitos religiosos? Compartilhe com a gente quais foram as soluções encontradas!

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