Por que assegurar práticas sociais nas situações didáticas
Depois de um encontro de formação, um professor veio me procurar com uma dúvida. Ele não estava entendendo porque eu insisti na importância de assegurarmos a prática social nas diferentes situações didáticas na sala de aula. Na visão dele, tudo o que a escola faz já é uma prática desse tipo, uma vez que a maioria das situações acontece da mesma maneira há séculos. Por que, então, eu martelava para que aquele grupo de professores planejasse minuciosamente as atividades de aprendizagem com esse propósito, se já era um caminho natural?
A pergunta que ele me fez veio muito a calhar, pois só assim pude me dar conta da confusão que um conceito mal definido estava causando naquele grupo de profissionais. Depois desse questionamento, achei importante deixar claro alguns pontos.
O que é prática social?
É o conjunto de ações, de encaminhamentos e de modo de ser e viver que rege nossa vida. Dentro da escola, queremos que as atividades de aprendizagem estejam o mais próximas possível de como é na realidade. Exemplificando: no dia a dia, fazemos cálculos diversos para administrar nosso dinheiro, para saber quanto tempo cada compromisso vai durar no planejamento da semana ou para estimar o quanto de pães e bebidas precisaremos comprar para o café da manhã. Ou seja, realizamos cálculos porque temos problemas a resolver e decisões a tomar.
É claro que, na Educação Infantil, não podemos começar propondo contas para saber quanto de dinheiro vai sobrar no final do mês. Isso não faria sentido para os pequenos. Nessa faixa etária, a prática social que deve permear a maioria das atividades é a brincadeira, porque a linguagem da criança por excelência é o faz de conta. Sabendo disso, podemos propor todos os tipos de situações didáticas se ajustamos os momentos de aprendizagem utilizando jogos e desafios. Dessa forma, conseguimos assegurar que a criança vai mobilizar todos os seus esquemas para participar da atividade.
Existem coisas que só a escola faz
Acho que foi essencial deixar claro que ainda permanecem algumas falsas ideias e práticas na escola que não fazem parte das práticas sociais.
Dizer que na hora do lanche não pode conversar porque é hora de comer. Isso é falso, pois nada é mais social do que se reunir para almoçar, jantar ou tomar café. Nessas horas, é muito comum papear ou tomar decisões importantes do trabalho. Nesse caso, o que podemos orientar os pequenos a fazer é conversar à vontade enquanto estão sentados se alimentando, desde que mastiguem com a boca fechada.
Pedir para as crianças andarem em fila quando precisam ir de um lugar para o outro. Todas as vezes que levo os alunos ao zoológico fico perplexa de ver várias escolas fazendo os pequenos andarem por todas as ruas (daquele espaço enorme!) em fila e com as mãozinhas uns nos ombros do outro. É tão mais fácil pedir para que deem as mãos de três em três, enquanto o professor anda ao lado para acompanhá-los. Isso é prática social, porque é assim que andamos com nossos filhos pelas ruas, de mãos dadas e do lado deles.
Dividir a turma em vários grupos para elaborar cartazes de um tema e colocar todos no mesmo mural. Quantas vezes já vimos propostas assim: todos pesquisam sobre um determinado assunto e a tarefa é fazer um cartaz, por exemplo, sobre a dengue. Depois do final da atividade, o professor expõe tudo o que foi feito no mesmo lugar, como o mural da sala. Mas se a ideia de elaborar esse material é informar a comunidade sobre os perigos da doença, qual é o sentido de não espalhá-los por toda a escola e pedir para as famílias fixá-los em alguns pontos de comércio do bairro?
Acredito que o nosso desafio como educadores é sempre pensar numa maneira de configurar a situação didática como uma brincadeira ou como seria na vida real, sem subestimar as crianças. Um bom exemplo são as pesquisas que fazemos no eixo Natureza e Sociedade, porque as crianças se interessam muito por detalhes da vida de um grupo de animais. Nesse caso, é possível registrar, fazer um portfólio, elaborar um mural com diferentes produtos informativos (desenhos, fotos, textos, etc.) ou organizar um seminário oral para apresentar para interlocutores reais, como os colegas e as famílias.
Certamente os pequenos vão se envolver muito mais nas propostas didáticas se o propósito está claro para elas, seja ele lúdico ou que mobilize sua curiosidade.
Bom, voltando ao professor do início… Depois que conversamos, ele riu e disse que concordava com os pontos que levantei. No outro encontro, ele nos brindou com várias histórias e “causos” do que ele próprio já fez ou fizeram com ele que só acontece na escola.
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