quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Veja como preparar o ambiente para favorecer a aprendizagem já no início do ano letivo

Tabela Numérica exposta para consulta.


Todo começo de ano, os professores recebem uma sala como esta da foto aí em cima. O espaço, ainda vazio, aos poucos ganhará vida com produções dos alunos e registros do cotidiano. Mas não é preciso esperar a turma para começar a organizar a classe. Daniela Bizzutti, professora do 1º ano da EMEF Leão Machado, em São Paulo, explica que, além das atividades feitas no primeiro dia e nos seguintes, o ambiente tem de estar pronto para receber as crianças.
Lista de Chamada Dinâmica.

Dayse Gonçalves, orientadora pedagógica da Escola Carlitos, na mesma cidade, concorda: "A sala é a primeira concretização do planejamento docente, pois representa o lugar de aprendizado e socialização". 



Diversos jogos à disposição.




Organizar o espaço é mais do que simplesmente decorá-lo. Cada canto deve ser pensado de acordo com as atividades pedagógicas que estão previstas para o ano. 
O essencial é focar na função das coisas, criando um ambiente propício à aprendizagem. Fernanda Pinto Silveira, formadora do Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária (Cedac), recomenda explicar aos alunos o que é cada cantinho, fazer combinados e garantir o acesso de todos. "Assim, eles se sentem integrantes da sala e não apenas expectadores." Caso o docente compartilhe a classe com outros colegas, é importante conversar com eles e acordar onde vão ficar os materiais de cada turma. 
Cantinho da Leitura

Relógio

Em geral, os objetos para essa organização são simples e o que já existe na escola pode ser aproveitado. Priscila Monteiro, consultora pedagógica da Fundação Victor Civita (FVC), esteve na sala de aula acima e mostra dez ideias de como organizá-la para a aprendizagem. Confira na galeria.


Alfabeto

Letras Móveis

Kit de Matemática

Materiais em Geral

Mural de Sala
Enfim, uma sala pronta para o ano letivo!

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A leitura feita pelo professor tem que ser constante na alfabetização

Ouvir permite às crianças ampliar o repertório cultural, aumentar a familiaridade com a língua, desenvolver o comportamento leitor e iniciar o processo formal de alfabetização

 

Sempre que o professor lê para a turma, revela as múltiplas possibilidades que os textos oferecem. Essa é uma das quatro situações didáticas básicas no processo de alfabetização. "As crianças conhecem narrativas, lugares, personagens e autores e têm a oportunidade de se encantar com a leitura. O desejo de aprender a ler para decifrar os livros preferidos com autonomia e descobrir novas histórias aumenta de intensidade", diz Ana Flavia Alonço, pedagoga e formadora de professores do Projeto Entorno, da Fundação Victor Civita.

A leitura, como prática social, pode ser ensinada em situações em que a turma toda participe, comentando o que foi lido, levantando e explicitando hipóteses, debatendo ideias. Atitudes como essas compõem o chamado comportamento leitor, capaz de ser desenvolvido desde muito cedo com a ajuda dos mais experientes. A figura de pais e professores é fundamental, pois eles assumem o papel de condutores de seus ouvintes para um mundo fantástico. Nas palavras da psicolinguista argentina Emilia Ferreiro, "a leitura é um momento mágico, pois o interpretante informa à criança, ao efetuar essa ação aparentemente banal, que chamamos de 'um ato de leitura', que essas marcas têm poderes especiais: basta olhá-las para produzir linguagem".

É preciso, porém, ter em mente a intenção da leitura. Não basta simplesmente fazer uma sessão por dia sem propósito comunicativo. "Quando o professor lê, tem de considerar sua ação como prática social que entretém, emociona, informa e diverte. Mas também deve estar ciente dos objetivos didáticos a que ela se destina - por exemplo, diferenciar a linguagem escrita da falada ou conhecer o estilo de um autor", afirma Célia Prudêncio, formadora do Programa Ler e Escrever, do governo do estado de São Paulo. Segundo ela, se os objetivos não estiverem claros, a leitura, por si só, não dá conta de alavancar o processo de alfabetização, pois faltam os procedimentos necessários à mediação entre o professor, os alunos e a linguagem escrita.

 

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Educação sexual: precisamos falar sobre Romeo...



O pequeno Romeo Clarke, da foto acima, tem 5 anos e adora usar seus mais de 100 vestidos para as atividades do dia a dia. "Eles são fofos, bonitos e têm muito brilho", explicou ao tabloide britânico Daily Mirror. Clarke virou notícia em maio do ano passado. O projeto de contraturno que ele frequentava na cidade de Rugby, no Reino Unido, considerou as roupas impróprias. O menino ficou afastado até que decidisse - palavras da instituição - "se vestir de acordo com seu gênero". 

O caso de Clarke não é único. Situações em que crianças e jovens que descumprem as regras socialmente aceitas sobre ser homem ou mulher - seja de forma intencional ou por não dominá-las - fazem parte da rotina escolar. Quando eclode o machismo, a homofobia ou o preconceito aos transgêneros, pais e professores agem rápido para pôr panos quentes e, sempre que possível, fazer de conta que nada ocorreu. "A escola, que deveria abraçar as diferenças, pode ser o ambiente mais opressivo que existe", defende Iana Mallmann, 18 anos, ativista contra a homofobia. "Muitos ainda abandonam as salas de aula por não se sentirem bem nesse espaço", completa Beto de Jesus, secretário para América Latina e Caribe da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, pessoas Trans e Intersex (Ilga, na sigla em inglês).

Paradoxalmente, quem tem ensinado a escola a agir no respeito à diversidade são os próprios estudantes. "Na contemporaneidade, multiplicaram-se os grupos, os sujeitos e os movimentos, as maneiras de se identificar com gêneros e de viver a sexualidade. Não há apenas uma forma de ser, mas tantas quantas são os seres humanos", afirma Guacira Lopes Louro, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das principais referências na área de estudos de gênero. É o que mostram os corajosos depoimentos de IanaRoberta Emilson. Eles nos convidam a uma reflexão sobre nossas próprias ideias de masculino e feminino, hétero, homo ou bi, coisas de menino e coisas de menina. Precisamos falar sobre sexo, sexualidade e, sobretudo, gênero.

Três ideias, três conceitos 
Vale desfazer a confusão entre esses conceitos. O sexo é definido biologicamente. Nascemos machos ou fêmeas, de acordo com a informação genética levada pelo espermatozoide ao óvulo. Já a sexualidade está relacionada às pessoas por quem nos sentimos atraídos. E o gênero está ligado a características atribuidas socialmente a cada sexo.

O que se sabe hoje em dia é que o dualismo heterossexual/homossexual não é capaz de abarcar as formas de desejo humanas. Os estudos sobre o tema dizem que a orientação sexual se distribui num amplo espectro entre esses dois polos. É provável que a definição sexual se dê pela interação entre fatores biológicos (predisposição genética, níveis hormonais) e ambientais (experiências ao longo da vida). Mas não há certezas. O guia Sexual Orientation, Homossexuality and Bissexuality, da Associação Americana de Psicologia, resume: "Não foram feitas, por enquanto, descobertas conclusivas sobre a determinação da sexualidade por qualquer fator em particular. O tempo de emergência, reconhecimento e expressão da orientação sexual varia entre os indivíduos". 

É surpreendente notar como determinados comportamentos são mais aceitos em uma fase da história e reprimidos na seguinte. Os moradores da Grécia Antiga, por exemplo, se relacionavam com pessoas de ambos os sexos. Já na Idade Média, comportamentos que se desviassem da norma socialmente definida eram punidos com a fogueira. Hoje, não há mais chamas, mas o sofrimento assume a forma de piadas, humilhações, agressões físicas e psicológicas, exclusão. Por que ainda agimos assim? Como se construiu uma sociedade que se choca e entra em pânico ao ver um menino se vestindo de menina?

A resposta está no conceito de gênero. Ele diz respeito ao que se atribui como características típicas dos sexos masculino e feminino. Meninas precisam sentar-se de pernas fechadas, meninos podem abri-las. Meninos não podem chorar, meninas são mais sensíveis. Meninos gostam de azul, meninas preferem o rosa. Enfim, uma série de aspectos que, com o tempo, ganham força e se convertem em regras. Por quê?

Porque cada um de nós interioriza as estruturas do universo social e transforma-as em jeitos de ver o mundo que orientam nossas condutas. Diversas instâncias atuam para que essas normas sejam transmitidas dos mais velhos aos mais jovens: a família, os grupos de amigos, as religiões - e, claro, as escolas. No caso do gênero, a associação com elementos preexistentes, como tradições culturais, preceitos religiosos e costumes familiares, vai definindo quais elementos pertencem ao universo masculino ou ao feminino. Por exemplo: ao provar do fruto proibido e convencer Adão a também comê-lo, Eva teria mostrado o lado irracional e sentimental da mulher. Por isso, sedimentou-se a ideia de que ela deveria estar submissa ao homem - naturalmente, um ser racional e cerebral, como explica a pesquisadora Clarisse Ismério no artigo Construções e Representações do Universo Feminino (1920-1945). Mais exemplos: a associação de carros e motos como "coisa de macho" foi herdada da ideia vigente até o início do século 20 de que o espaço público deveria ser ocupado pelos homens, enquanto as mulheres deveriam se dedicar à vida doméstica, como faziam suas mães. Já a atribuição das cores rosa e azul, respectivamente, a meninas e meninos... Bem, essa aí parece não ter justificativa. Nenhuma surpresa: a investigação sócio-histórica revela que na gênese de muitos hábitos, costumes e regras impera a mais pura arbitrariedade.

Tudo isso se complica em razão de outra característica da mentalidade moderna: a tendência de pensar por oposições. Segundo o filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004), a lógica ocidental opera por meio de binarismos: feio/belo, puro/impuro, espírito/corpo etc. "Um termo é sempre considerado superior, e o oposto seu subordinado", explica Guacira. Assim, o homem heterossexual conquistou o lugar de maior prestígio na sociedade. Um degrau abaixo, a mulher. E na penumbra, os que não se encaixam no esquema binário: gays, lésbicas, bissexuais, travestis...

Até meados do século 20, esse discurso circulou quase sem contestações. A partir dos anos 1950, movimentos feministas, guiados pelos estudos da filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), engrossados na década seguinte pelos hippies e outros levantes da contracultura, começaram a colocar em xeque os papéis atribuídos às mulheres na sociedade, no trabalho e na família. Seguiram-se a eles as lutas pelos direitos de homens gays, lésbicas, travestis, transexuais e assim por diante entre 1970 e os anos 2000. Atualmente, correntes contestatórias ampliam as possibilidades identitárias, defendendo que há muitos jeitos de ser homem e mulher.

Você deve estar se perguntando onde a escola entra nessa discussão. Para que ela respeite a diversidade, as formações de professores precisam abordar o assunto. É o melhor caminho para disseminar o que as pesquisas já descobriram sobre a construção dos gêneros e sua relação com o sexo e a sexualidade. Mas as iniciativas sofrem forte resistência. O caso mais notório aconteceu em 2011. Como parte do programa Brasil sem Homofobia, especialistas produziram para o governo federal cadernos com conteúdo pedagógico que colocavam o tema em discussão.

A intenção era que o material fosse distribuído a escolas de todo o país. Antes da impressão, entretanto, congressistas ligados a entidades religiosas se opuseram ao projeto. Apelidado de "kit gay", o conteúdo foi acusado de estimular "a promiscuidade e o homossexualismo" - termo em desuso por remeter a doença (hoje, fala-se em homossexualidade). A União cedeu às pressões e vetou a circulação dos cadernos. Oficialmente, não há perspectivas para que esse material saia do armário. 

Por enquanto, episódios como o do menino Romeo seguem envoltos pela vergonha. Mesmo em casos de crianças muito pequenas, em que não há relação entre o comportamento da criança e sua sexualidade (meninos mais sensíveis ou meninas que prefiram o futebol às bonecas), o expediente-padrão é convocar os pais para uma conversa sobre o suposto problema e encontrar maneiras de "corrigi-lo". "Muitas vezes, essas crianças e jovens apanham dos pais, são proibidos de voltar às aulas ou mesmo fogem", relata Constantina Xavier, professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). É papel da escola agir com profissionalismo. O que, nesse caso, significa tratar o tema com naturalidade e não reportá-lo aos pais. Um menino quer se vestir de princesa. Se há algum problema, é com os olhos de quem vê. Como ensina Georgina Clarke, a mãe do pequeno Romeo: "Não me importo. Faz parte de quem ele é. Se usar os vestidos faz com que ele seja feliz, então está tudo bem para mim".

Restos do carnaval, de Clarice Lispector

Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartasfeiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.

No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança-perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.

E as máscaras? Eu tinha medo, mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.

Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça - eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável - e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice. 



Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.

Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga - talvez atendendo a meu apelo mudo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel - resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.

Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse pelo menos estaríamos de algum modo vestidas - à idéia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos
nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morríamos previamente de vergonha - mas ah! Deus nos ajudaria! não choveria! Quanto ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho, que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.

Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! Chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.

Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge - minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa - mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil - fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.

Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas, eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.

Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos, já lisos, de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Sobre ritmos e sons



Na escola, criança tem de ouvir música de criança. E só música de criança, certo? Não. Nada mais falso. "Não se pode limitar o contato da turma à chamada música infantil. Algumas delas têm texto fraco, muito óbvio ou com rimas pobres", explica Teca Alencar de Brito, autora do livro Música na Educação Infantil. De acordo com o Referencial Curricular Nacional, é importante que a percepção musical na pré-escola seja estimulada pela audição e pela interação com diversos tipos de canções. No cardápio de gêneros, estilos, épocas e culturas, o fundamental é que o repertório tenha qualidade - em outras palavras, que possua riqueza de composição e de arranjos. 

Mesmo não sendo especialista no assunto, o professor pode direcionar a turma a prestar atenção ao som, observando as características rítmicas, os silêncios, os instrumentos e o uso da voz. O trabalho pode começar com uma sondagem sobre as músicas preferidas dos pequenos. Em um segundo momento, envolver as famílias enriquece ainda mais a atividade. Partindo desse ponto, Luciana do Nascimento Santos pediu que as crianças da pré-escola do CEI Santa Escolástica, em São Paulo, perguntassem aos pais que canções eles conheciam em suas brincadeiras de infância.

"As mais lembradas foram referências de cantigas tradicionais, como Peixinhos do Mar, Atirei o Pau no Gato e Ciranda, Cirandinha", diz ela. Para ampliar as referências das crianças, Luciana levou às aulas CDs de chorinho, coco, maracatu e samba de roda. A cada estilo novo, agregava informações históricas e culturais, mostrando o mapa da região típica do gênero, DVDs com as danças relacionadas e fotos dos cantores. Também direcionava o olhar da turma para os elementos específicos de cada música. "Eu perguntava: que instrumento produziu esse som? Como reproduzir o que foi escutado partindo da exploração do corpo, abafando a boca ou batendo na perna?" Foi o gancho para um trabalho prático que incluiu a experimentação e a confecção dos próprios instrumentos.



O produto final foi um livro com letras completas e desenhos das músicas preferidas das crianças. Uma alternativa é a gravação de um CD que reúna os sons trabalhados em sala e os mais conhecidos pelos pais (leia no link acima um projeto didático com essa proposta). Dessa forma, cada um pode ter uma cópia e continuar aproveitando a atividade em casa, com a família reunida.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Carnaval 2015

Aproveite o período para trabalhar com seus alunos as diferentes manifestações culturais da festa brasileira mais popular no mundo. Neste especial você encontra quatro reportagens, três planos de aula e quatro recursos multimídias para usar com os estudantes. 

Infantil - A Importância de ler para os bebês

A maior companheira do ser humano, quem sabe a única capaz de acompanhá-lo por toda a vida. Essa é a definição de linguagem elaborada por Evelio Cabrejo Parra, pesquisador colombiano radicado na França, doutor em Linguística e mestre em Filosofia e Psicologia. 

Quando nascemos, a voz é uma velha conhecida: a partir do quarto mês de gestação, a audição do feto passa a ser desenvolvida e ele começa a distinguir vários aspectos acústicos. 

Ao ler histórias para os pequenos, damos a eles a chance de encontrarem nelas ecos de sentimentos que ainda não conseguem explicar, embora os experimentem com frequência. E assim começa para cada um de nós um mergulho num universo particular. 

O mundo em que crianças e livros se encontram é o campo de investigação a que Parra, vice-diretor do Departamento de Formação e Pesquisas Linguísticas da Universidade Paris Diderot, na França, se dedica há anos. Nesta entrevista, ele discorre sobre a revolução que a literatura é capaz de fazer na vida da meninada desde os primeiros meses de vida e explica como a linguagem e o pensamento estão intimamente conectados.  

Entrevista com Evelio Cabrejo Parra

Pesquisador colombiano radicado na França diz que a leitura na primeira infância é fundamental para a construção do sujeito e explica o que e como ler para crianças desde os primeiros meses de vida


Suas pesquisas abordam a importância de os bebês escutarem para a construção da linguagem e da relação deles com as pessoas que os cercam. Como é essa relação? 
EVELIO CABREJO PARRA 
Quando estudamos os pequenos, é preciso entender as competências naturais que carregam consigo ao nascer, dentre elas, a faculdade da linguagem. O bebê vem ao mundo com uma sensibilidade muito grande à voz humana. Ao ouvir, tenta construir significados. A voz se forma assim. Eu falo, por exemplo, porque escutei os meus pais quando ainda estava no berço e comecei a roubar algumas coisas da voz deles para construir a minha própria. 

Por que ler para as crianças contribui para o processo de aquisição da linguagem?
CABREJO PARRA 
Se o adulto fala com elas usando unicamente a linguagem cotidiana, dando ênfase a expressões como "Venha aqui", "Pegue isso" e "Não toque ali", estará somente dando ordens, sem deixar espaço para o processo de escutar, que não acontece nessas situações. É durante a leitura que os bebês têm a oportunidade de ouvir e esse tempo é fundamental. Eles se colocam em posição de escuta e podem construir significados à sua maneira: observam o rosto do leitor e a direção do olhar dele e vão aprendendo o que é um livro. Ao mesmo tempo, já possuem um pequeno léxico usado no dia a dia - os verbos ser e estar, por exemplo - e conseguem identificá-lo no texto lido. Descobrem, então, que algo que está neles também está na obra. Assim, começam a compreender os textos de maneira prazerosa, tomam gosto pela leitura e entendem o espaço cultural dos livros no mundo. Na primeira infância, o hábito de ler deve ser integrado às competências naturais que as crianças têm. Assim, elas constroem significados para as coisas. 

Por que é importante trabalhar com diversos tipos de leitura logo na primeira infância? 
CABREJO PARRA 
O falar cotidiano é pobre. Devemos dar aos bebês a chance de desfrutar ao máximo as possibilidades dos textos poéticos e literários. Nossa língua é uma fonte inesgotável de produção de frases e de encontro de palavras, coisas que só são descobertas pelos pequenos quando temos o hábito de ler muitas histórias para eles. A partir de então, a linguagem começa a se transformar em uma companheira para toda a vida, possivelmente a única que estará sempre à disposição para falar, escutar, sonhar, fantasiar. Por meio dela, é possível colocar dentro de si harmonias e significados diferentes, elaborando um capital psicológico que poderá ser acessado em muitos momentos. Temos dois nascimentos: um biológico e outro psíquico, e a linguagem é a matriz simbólica da construção do sujeito.